quinta-feira, julho 31, 2008

Individualismo

José Luis Peixoto in Diário de Notícias

"Vivemos num individualismo muito cru. As pessoas são levadas a acreditar que a promoção do conforto físico e das aparências é o que mais conta. Existe uma desvalorização do conforto afectivo e moral. Existe a ideia errada de que podemos ser felizes sozinhos ou, pior ainda, contra os outros. "

Não nos interessa

"Roubei" o seguinte comentário daqui

Se sermos nós próprios não chega;
Se por equiparação com terceiros, não somos aceites;
Se olhando para nós, não é a nós que nos vêm;

Então...

Não interessa!
A pessoa não nos interessa!
A relação não nos interessa!

Porque nós, nunca seremos suficientes;
E nós, nunca teremos, o que no fundo merecemos.

Eu não sei dizer

O silêncio, deixa-me ileso
E que importância tem?
Se assim, tu vês em mim
Alguém melhor que alguém
Sei que minto, pois o que sinto
Não é diferente de ti
Não cedo, este segredo
É frágil e é meu
Eu não sei...Tanto, sobre tanta coisa
Que às vezes tenho medo
De dizer aquelas coisas
Que fazem chorar
Quem te disse, coisas tristes
Não era igual a mim
Sim, eu sei, que choro
Mas eu posso, querer diferente para ti
Eu não sei...Tanto, sobre tanta coisa
Que às vezes tenho medo
De dizer aquelas coisas
Que fazem chorar
E não me perguntes nada
Eu não sei dizer...

sábado, julho 26, 2008

Zeca Afonso

O que faz falta




Traz Um Amigo Também



A Formiga No Carreiro



Venham Mais Cinco



Zeca eterno, mas sobretudo actual.

Viver ou Morrer pela Liberdade!

sexta-feira, julho 25, 2008

O pulso

Arnaldo Antunes / Tony Bellotto / Marcelo Fromer - 1989

O pulso ainda pulsa
O pulso ainda pulsa
Peste bubônica câncer pneumonia
Raiva rubéola tuberculose anemia
Rancor cisticircose caxumba difteria
Encefalite faringite gripe leucemia
O pulso ainda pulsa
O pulso ainda pulsa
Hepatite escarlatina estupidez paralisia
Toxoplasmose sarampo esquizofrenia
Úlcera trombose coqueluche hipocondria
Sífilis ciúmes asma cleptomania
O corpo ainda é pouco
O corpo ainda é pouco
Reumatismo raquitismo cistite disritmia
Hérnia pediculose tétano hipocrisia
Brucelose febre tifóide arteriosclerose miopia
Catapora culpa cárie câimbra lepra afasia
O pulso ainda pulsa
O corpo ainda é pouco

Contato Imediato

Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown

peço por favor
se alguém de longe me escutar
que venha aqui pra me buscar
me leve para passear

no seu disco voador
como um enorme carrossel
atravessando o azul do céu
até pousar no meu quintal

se o pensamento duvidar
todos os meus poros vão dizer
estou pronto para embarcar
sem me preocupar e sem temer

vem me levar
para um lugar
longe daqui
livre para navegar
no espaço sideral
porque sei que sou

semelhante de você
diferente de você
passageiro de você
à espera de você

no seu balão de São João
que caia bem na minha mão
ou numa pipa de papel
me leve para além do céu

se o coração disparar
quando eu levantar os pés do chão
a imensidão vai me abraçar
e acalmar a minha pulsação

longe de mim
solto no ar
dentro do amor
livre para navegar
indo para onde for
o seu disco voador

O silêncio

Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown - 1996

antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor
luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor

Num dia

Arnaldo Antunes / Hélder Gonçalves / Manuela Azevedo / Chico Salém
in, Qualquer

sujar o pé de areia pra depois lavar na água
lavar o pé na água pra depois sujar de areia
esperar o vaga-lume piscar outra vez
ouvir a onda mais distante por trás da onda mais próxima
sujar o pé de areia pra depois lavar na água

respirar
sentir o sabor do que comer
caminhar
se chover, tomar chuva
não esperar nada acontecer
ser gentil com qualquer pessoa

sujar o pé de areia pra depois lavar na água
lavar o pé na água pra depois sujar de areia
esperar o vaga-lume piscar outra vez
ouvir a onda mais distante por trás da onda mais próxima

respirar
sentir o sabor do que comer
caminhar
se chover, tomar chuva
ter saudade no final da tarde
para quando escurecer esquecer
ao se deitar para dormir, dormir

Eu não vou me adaptar

Arnaldo Antunes - 1985

Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia.
Eu não encho mais a casa de alegria.
Os anos se passaram enquanto eu dormia,
E quem eu queria bem me esquecia.

Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar.

Eu não tenho mais a cara que eu tinha,
No espelho essa cara não é minha.
Mas é que quando eu me toquei, achei tão estranho,
A minha barba estava desse tamanho.

Será que eu falei o que ninguém dizia?
Será que eu escutei o que ninguém ouvia?
Eu não vou me adaptar.

O quê

Arnaldo Antunes - 1987

Que não é o que não pode ser que
Não é o que não pode
Ser que não é
O que não pode ser que não
É o que não
Pode ser
Que não
É
O que não pode ser que
Não é o que não pode ser
Que não é o que
O que?
O que?
O que?
Que não é o que não pode ser que não é

Se tudo pode acontecer

Arnaldo Antunes / Alice Ruiz / Paulo Tatit / João Bandeira - 2001

se tudo pode acontecer
se pode acontecer
qualquer coisa
um deserto florescer
uma nuvem cheia não chover

pode alguém aparecer
e acontecer de ser você
um cometa vir ao chão
um relâmpago na escuridão

e a gente caminhando
de mão dada
de qualquer maneira
eu quero que esse momento
dure a vida inteira
e além da vida
ainda de manhã
no outro dia
se for eu e você
se assim acontecer

Sem você

Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown

pra onde eu vou agora livre mas sem você?
pra onde ir o que fazer como eu vou viver?
eu gosto de ficar só
mas gosto mais de você
eu gosto da luz do sol
mas chove sempre agora
sem você
sem você
sem você
sem você

às vezes acredito em mim mas às vezes não
às vezes tiro o meu destino da minha mão
talvez eu corte o cabelo
talvez eu fique feliz
talvez eu perca a cabeça
talvez esqueça e cresça
sem você
sem você
sem você
sem você

talvez precise de colchão, talvez baste o chão
talvez no vigésimo andar, talvez no porão
talvez eu mate o que fui
talvez imite o que sou
talvez eu tema o que vem
talvez te ame ainda
sem você
sem você
sem você
sem você

quinta-feira, julho 24, 2008

Compaixão


Enquanto procurava a letra da canção "Socorro" de Arnaldo Antunes, encontrei um texto que fala da canção, e que por ter gostado, partilho convosco.

O texto encontra-se publicado aqui e é o seguinte:

Compaixão

Fátima Regina Flórido Cesar de Alencastro Graça

Maria, 19 anos, queixa-se de tédio e sentimento de vazio. Na experiência com ela, a analista vê refletida sua própria adolescência: "a palavra do paciente pode funcionar como interpretação do recalcado do analista" (Fédida).


"Pessoas pertencidas de abandono me comovem:

tanto quanto as soberbas coisas ínfimas."

Manoel de Barros, Retrato do artista quando coisa.

Maria! Maria!


...Tudo começou com a chegada de Maria. Ou melhor, eu que cheguei até ela. Antivirtuosa, anjo às avessas. "Não sou simpática. Não sou amorosa. Por que você gosta de mim?" Outra vez: "Por que você gosta tanto de mim?".

Porque Maria é daquelas moças, antiboa moça, anti-Patricinha, que mal consegue sustentar um sorriso. Rosto crispado de angústias que não se disfarçam. E se existem esforços para disfarçar... Ah! Em vão! Mas não pensem que tenho aqui a virtude do amor ao feio e ao torto e ao impuro. Maria é meu anjo torto, é verdade (um dia me falara de um quadro – que gosta muito – de anjos distorcidos. Você anjo distorcido; você que disfarça sua bondade). Quando olho Maria (com todos os meus olhos, com tudo que é possível ser visto por mim), enxergo / suspeito / a beleza / a potência que é (in) visível em Maria encoberta, as forças, a beleza de turbulências e trevas.

Para mim Maria é encantadora; e tem o encanto – não de almas fáceis – mas dessas subjetividades aflitas, "vida a vida", "móvel-mar..." Lolita maldita! O encanto vem dali onde acredito na saída, na crença de que a crise é caminho/passagem para a não permanência no mesmo. Eu carrego a esperança que Maria mal experimenta e me alegro tanto. O encanto vem dali onde nossas juventudes se entrelaçam. Nossos dezenove anos, sua juventude transviada, minha juventude quase transviada. Perdições, paz que não vem de graça, de quando se nasce e pronto. Minha adolescência veloz comparece e sua adolescência grita de dor:

"Dezenove anos. Não fiz nada! Tudo errado: má aluna, má filha, má amiga. Só revolta, uma fome permanente de detonar".

E os livros que tanto lê? As músicas? Às formas ela se rebela. Qualquer forma aprisiona? Ódio às formas e depois o vazio! Por que não tem valor aos olhos de Maria a matéria informe dos livros, poesias, devaneios? O sonho não é capital. "O que vale ser sensível? Meus amigos gays, amigos loucos, drogados: Não há salvação!"

(Calma, garota! e eu tenho que controlar-me para não devorá-la com cuidados e esperança e lembranças. Vai dar tudo certo, alguém já me falou um dia e eu tento silenciar.)

Não sei o tamanho da angústia de Maria. Deve ser grande, porque a dor já se mostra no rosto. As "esquisitices internas" já se fazem visíveis, nos gestos impensados, nas respostas atravessadas, nas interrupções de conversas. E sempre uma tentativa de sorriso, um esboço que não vinga, que não se sustenta. Maria. Maria só dor. (Cuidado, vê se não a atropela com sua alegria! Calma garota, calma eu!).

Gosta muito de Clarice (Lispector) (aqui na cidade é verdadeira raridade: uma menina com tais interesses!). As anti-heroínas claricianas, Joana, Sofia e Maria podia ser mais uma.

Na primeira sessão, a primeira pergunta: Você acredita em Deus? Você acredita em Deus? Em busca da fé. "Ora sou rebelde, ora visto uma saia de seda nas bodas de minha mãe. Cada hora sou de um jeito". (Mas, garota onde te ensinaram que nós somos apenas um?)

Às voltas com sua indiferença. "Sou má". Sua mãe infeliz chora a juventude perdida, chora ouvindo Roberto Carlos chora os mortos, os doentes, os infelizes. "Eu sou insensível".

A indiferença de Maria será a indiferença oculta de vulcões? Ou será mesmo a indiferença o "berçário da compaixão?"

Ajude-me a não atropelá-la com meus dezenove anos. Vamos aprender juntas a aguardar o sentido... Um tempo/espaço vazio, compartimento vizinho do ódio (ódio ao preconceito, à formas não autênticas de vida. Quando qualquer concessão à máscaras pode significar a morte).

Que eu sobreviva à indiferença e ao ódio de Maria!

Que o mundo sobreviva....

Que Deus que Maria tanto procura.

Foi então que chegou de outro tempo (de minha própria adolescência) a lembrança de Abraxas... Esse Deus serviria para Maria?

Tudo começou...

Abraxas


"A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo. A ave voa para Deus. E o deus se chama Abraxas."1

Meus encontros com Maria me remetem à minha própria adolescência, muito mais que qualquer outra adolescente que até hoje eu tenha atendido. Lembrei-me então de Hesse, autor que Maria não conhece. Lembrei-me de Abraxas, um deus que talvez comovesse Maria.

A melancolia de sua mãe deita-se como uma sombra em cima de sua vida. Assim repudia o bom e o piedoso, que identifica na figura materna. Abomina as sensibilidades piegas. Hard! Punk! Adora "Tarantino" (Quentin). "Eu sou feita de lama imunda"2 . Busca destruir o "mundo luminoso", e apropriar-se da maldade (agressividade): "minha maldade vem do mau acomodamento da alma no corpo. Ela é apertada, falta-lhe espaço interior"3, que sua mãe varreu pra baixo do tapete da vida e mais e mais quem sabe, as gerações que antecederam a mãe e sua própria tristeza. Destruir (até) os mundos de seus ancestrais4 . O mundo escuro é onde se refugia com amigos dilacerados. Mundo das drogas (eventuais?!) e dos bares sujos. "A feiúra é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio como um amor de igual para igual. E desafio a morte"5 . Chora num show de Marisa Monte assim como sua mãe chora com Roberto Carlos.

"Eu não gosto do bom gosto

Eu não gosto do bom senso

Eu não gosto dos bons modos

Não gosto.

...

Eu gosto dos que têm fome

Dos que morrem de vontade

Dos que secam de desejo

Dos que ardem..."6

Renato Russo, Cazuza, Clarice, Pessoa, Adélia Prado, Fernanda Young, Arnaldo Antunes, Machado de Assis... "Beleza de escuras" (Clarice lhe diria).

Mas no mundo dos sensíveis não haverá lugar para a alegria?

Foi assim que lembrei dos dois mundos entre os quais, Sinclair, o jovem amigo de Demian, vivia:

"Dois mundos diversos ali se confundiam; o dia e a noite pareciam provir de pólos distintos.

Desses dois mundos, um se reduzia à casa paterna, e nem mesmo a abarcava toda; na verdade, compreendia apenas as pessoas de meus pais. Esse mundo era-me perfeitamente conhecido em sua maior parte; suas principais palavras eram papai e mamãe, amor e severidade, exemplo e educação. Seus atributos eram a luz, a claridade, a limpeza. As palavras carinhosas, as mãos lavadas, as roupas limpas e os bons costumes nele tinham centro. Nele se cantavam os coros matutinos e se festejava o Natal. Nesse mundo havia linhas retas e caminhos que conduziam diretamente ao porvir; havia o dever e a culpa, o remorso e a confissão, o perdão e as boas intenções, o amor e a veneração, os versículos da Bíblia e a sabedoria. Nesse mundo devia-se permanecer para que a vida fosse clara e limpa, bela e ordenada.

O outro mundo começava – curioso – em meio à nossa própria casa, mas era completamente diferente: tinha outro odor, falava de maneira diversa, prometia e exigia outras coisas. Nesse segundo universo havia criadas e aprendizes, histórias de fantasmas e rumores de escândalo; havia um onda multiforme de coisas monstruosas, atraentes, terríveis e enigmáticas, coisas como matadouro e a prisão, homens embriagados e mulheres escandalosas, vacas que pariam e cavalos que tombavam ao solo; histórias de roubos, assassinatos e suicídios... enfim, por todo lado brotava e fluía esse outro mundo impetuoso, em todo lado menos em nossos aposentos, ali onde estavam meu pai e minha mãe. E isso era magnífico. Era maravilhoso que ali em casa houvesse paz, ordem, repouso, deveres cumpridos e consciência tranqüila, perdão e amor...; mas era também admirável que existisse aquilo tudo mais: o estrepitoso e o agudo, o sombrio e o violento, de que se podia escapar imediatamente, refugiando-se quase de um salto no regaço maternal."7

Maria não quer uma "bondade fácil". Até porque não pode, já que não tolera falsas soluções. Apresenta uma "moralidade feroz"8. Busca criar, em cima do que destrói.

Foi por isso que pensei em Abraxas, o deus de Demian e Sinclair, que reunia em si o mundo luminoso e o mundo escuro: "divindade dotada da função simbólica de reunir em si o divino e o demoníaco"9.

Na verdade, o que quero dizer com isso é que para Maria "construir" (ela assim se queixa, que nada faz, nada cria) teria/tem que acolher em si sua própria destrutividade. Ela não tolera deuses piegas. Que fé procura?

(A busca da esperança). Segundo Winnicott, a construtividade precisa estar fundada no sentimento de culpa em relação à aceitação da própria destrutividade. Para chegar ao "Deus da bondade pura" Maria precisa atravessar o inferno de sua própria maldade e mesmo de seus não-sentimentos. (Ah... Adélia Prado ensina: "O inferno também está em Deus"). Para ela não há a facilidade da piedade e se existe um caminho de comunicação com o outro este só pode desembocar/desabrochar na compaixão. Quando assusta/aterroriza sua mãe com sua parte maldita é para ser aceita em sua totalidade (como diz Winnicott, os pais devem aceitar que os filhos se encontrem em sua totalidade, e não apenas em seus aspectos construtivos).

Rebelde como sua mãe fora um dia e depois nevermore. A rebeldia em sua mãe transformou-se em amargura: um sentimento de não existência, de infelicidade. Adeus à sensualidade.

Amor impiedoso, a destruição fazendo parte do amor. Por isso Clarice: Maria que podia ser Sofia, que podia ser Joana, as anti-heroínas com sua "paixão pelo mal", com seu "exercício de crueldade"10, que precisam destruir mundos (mundos luminosos? Do bom gosto!) para vir à luz.

O mal irrompe como elemento desestruturador que desorganiza forças estabelecidas, que "bagunça radicalmente coretos", que funda alteridades. E eu preciso sobreviver ao seu não-sentimento ou à sua fúria, ou desdém: "hoje eu não tive vontade de ir". "Por que você pergunta como assim? Odeio quando fala assim: coisa de psicólogo".

O não sentir conduz a um (outro tipo) de inferno: o de não existir e não se sentir real. Ela me oferece a música de Arnaldo Antunes que expressa tão bem sua vivência de vazio e falta de sentido.

A letra diz:

"Socorro, eu não estou sentindo nada

Nem medo, nem calor, nem fogo/ Não vai dar mais para chorar, nem para rir / Socorro, alguma alma mesmo que penada / me entregue suas penas / Já não sinto amor, nem dor / já não sinto nada / Socorro, alguém me dê um coração / Que esse já não bate nem apanha / Por favor, uma emoção pequena, qualquer coisa / Qualquer coisa que se sinta? Tem tanto sentimento / Deve ter alguma que sirva / Socorro, alguma rua que me dê sentido / Em qualquer cruzamento, acostamento, encruzilhada / Socorro, eu já não sinto mais nada."

A oposição às vezes é o único recurso que se tem para se sentir existindo. Reajo, logo (parece que) eu existo. Mas dura pouco e renovam-se os ataques até que se espere o tempo suficiente de atravessar/transpor a "zona de calmarias"11.

Segundo Winnicott, os adolescentes rejeitam falsas soluções ou "curas imediatas", ao invés, vêem-se obrigados a "transpor uma espécie de zona de calmarias, uma fase em que se sentem fúteis e ainda não se encontraram"12. Os pais e a sociedade não podem se apressar, e tentar "curá-lo de sua adolescência".

É preciso tempo.

Como disse Françoise Dolto, referindo-se aos adolescentes, "nem tudo que tende para frente é porque vai cair". Penso que Maria tentou várias soluções, como por exemplo, sua casca áspera e dura, para evitar.

O colapso


Noites sem dormir. Dias sem fome. Angústia, medo de multidão, falta de ar, medo de... medo de.... e "medo puro". Choro compulsivo sem motivo. Um grande susto: "nunca me aconteceu isso! Não sei porque choro sem motivo". No meio do filme De olhos bem fechados, pânico. Acho que vou morrer, implora aos pais que a levem ao hospital. Alguém sugere que vá a um psiquiatra, que tome remédio. Ela quer diminuir a dor. Os cuidados da mãe (que está apavorada) a tranqüilizam um pouco. Aos poucos a dor ganha um contorno; a agonia, pensável. Não é mais possível espernear no colo como sempre. Está cansada (como Clarice no vídeo que tanto a emocionou). Teme enlouquecer.

A mãe por sua vez busca desesperadamente oferecer aquilo que Maria necessita.

Para Winnicott, "a organização que torna a regressão útil se distingue das outras organizações defensivas pelo fato de carregar consigo a esperança de uma nova oportunidade de descongelamento da situação congelada e de proporcionar ao meio ambiente, isto é, o meio ambiente atual, a chance de fazer uma adaptação adequada, apesar de atrasada"13. Penso que Maria está se/nos dando uma chance, de tentar oferecer um cuidado adequado.

A falência das defesas, das forças falseadas.

Numa de suas noites de terror (Por que à noite o pavor? – "O entardecer é o desembocar de todas as ausências"14) vai com sua grande amiga dormir na casa dos pais num casebre (de chão de terra) e lá recomeça o pânico. A mãe da menina – "gostei tanto dela, eles são simples, sabe" – lhe oferece chá de erva cidreira explicando que é calmante. (Até então falava: "nada me acalma, 'Olcadil’ pra mim é igual a água"). Tranqüiliza-se. Agora aonde vai, leva um pacote de chá de erva-cidreira.

Volta e meia fala: "eu quero pouco eu quero o simples. Um dia meu tio perguntou: ‘o que você pedir de aniversário eu compro.' Mas eu não quero, quero apenas que você veja algo e pense ‘isso parece com Maria". É o gesto necessário e exato que procura.

A falha da analista ocorre principalmente quando não se corresponde à sua fome do essencial. É quando, ela muito apropriadamente, "debocha" de mim, de qualquer coisa que "não cheire a verdadeiro"... Se me equivoco e sou desastrada nos gestos, desperdiço seu pedido: "O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno"15.

Pede sessões extras. Chega ferida, quase mansa, suas unhas-garras não mais arranham, chora e diz que nunca falou "eu te amo" ou "eu gosto", sabe de sua própria aspereza. Numa tentativa de conviver com o "mundo luminoso" vai a um churrasco com "pessoas normais". O incômodo de conviver não é porque os outros, aqueles do "mundo luminoso", são babacas. Por trás do sentimento de superioridade: "dói porque eles experimentam uma coisa que eu não conheço: felicidade". É como se dissesse:

Eu sou humana, cara!


"De que você pensa que são feitas as minhas mãos? De ferro? De madeira? De cimento? Elas são feitas de carne, cara. Eu sou humana, cara. Devo gritar isso? Sou humana. Está me ouvindo? Sou humana. Minhas mãos são feitas da carne que dois pregos podem atravessar furando buracos a caminho da madeira da cruz. Minhas mãos são feitas da carne que ejacula sangue, sou humana, cara."16

O mundo apresentado a Maria foi/é um mundo inóspito, cruel, uma vida sem brilho, onde o desencanto é o único horizonte possível. O processo de desilusão longe de ter sido lento e gradativo, desenvolveu-se veloz e absoluto. Se o pânico corresponde a "um estado psicopatológico que se instaura quando não houve as condições para uma subjetivação tolerável da condição fundamental de desamparo"17, no plano da articulação simbólica, um ataque de pânico estrutura-se como um pedido transcendente de amor, dirigido a um "Outro idealizado e onipotente, colocado numa posição divina que garantiria pela sua ternura a proteção do sujeito contra o desamparo"18.

Ela escreve e me dá:

"Pânico"


Hoje minha respiração parou

momentaneamente

e nos dois segundos em que chorei

por falta de vida

A morte dolorosa que imaginei não aconteceu

Por duas vezes eu perdi o sol

a chuva que caía

perdi a batida lenta do meu

coração

A batida dos carros na esquina

Deixei de ver o momento

e só senti a escuridão

e a escuridão não tem cheiro

de flores

apenas dois segundos

e vinte anos se passaram

Como se não pudesse viver mais vinte anos

e vinte anos de existência

eu perdi durante dois segundos

não sorri com a passagem de menina

não sofri com a falta do menino

não consegui ver da janela

a bicicleta que corria

e os dois segundos se passaram

e eu tive mais dois segundos para viver".

Quando perguntei se podia incluir o poema "Pânico" num trabalho, ironicamente me questiona: "Por quê? Se você tem a Clarice?".

Flor de cactus, pensei.

Mãe perua – filha trash


Mário Eduardo Costa Pereira adverte ainda que a noção de desamparo não deve deixar de fora a dimensão sexual: a crise de pânico emerge no encontro com a falta de garantias frente à própria pulsionalidade.

Uma das grandes questões/dores da mãe de Maria se liga ao não vivido no plano sexual. Na juventude, linda saindo e vista como puta por sua própria mãe. Depois engorda e lamenta o tempo perdido, o amor não encontrado, o casamento-vazio sem emoções. A filha, de seu lado, que nunca se apaixonou, que se deita e depois nem lembra que sexo existe.

O morrer-em-vida de sua mãe cai sobre sua vida e Maria se sente sufocada, desaprovada em seu estilo quando a mãe insiste: "coloque um batom. Parece uma mendiga". Ao menos, os anéis, vários, que brilham nos dedos. Único luxo? A mãe que a sufoca com tantos presentes que nunca usará, apenas os anéis. Sua mãe que queria ser "perua". Fica confusa por causa do ódio à mãe, já que esta é tão presente e quer tanto que ela fique bem. Mas não sabe como. (Com carro novo? Roupas? Livros? Anéis).

Idas e vindas na relação com a mãe. Confrontos violentos. Por que não é possível ser igual às outras garotas? Por que os amigos não podem ser normais? E Maria, entre a culpa e a insistência aflita. Não é uma busca qualquer: é a obstinada e desesperada busca – "de arrancar da mãe o direito de ser ela própria19".

E o pai? Tudo sobre a mãe. Quase nada sobre o pai.

Saudade20


Maria observa o mundo com um olhar de estranhamento. E esse olhar, que já existia na infância (do pouco que se lembra dela), se acentua na adolescência – tempo em que desembocam as angústias (e as ausências). (O uso freqüente dos óculos escuros ocultando o olhar terrível!). Olhar de asco diante do não-humano. Então o impasse: entre a necessidade (por vezes desesperada) de entrar no mundo e o temor de perder esse olhar/lugar profundamente ético. Será possível acontecer no mundo e experimentar a alegria sem que se traia a sua fome do essencial, sem que se perca a delicada escuta de qualquer grito parado no ar? Na parede do quarto: "O Grito" (de Munch). O grito. Na parede do quarto fotos e fotos e fotos das "pessoas especiais" que a ajudam a sair do isolamento. Com eles e elas dialoga sobre a miséria humana e as alegrias possíveis.

Quando partem, o despencar no vazio. Para onde as pessoas vão quando partem? Por que te vas? A pior dor, a dor que mais dói é a saudade. Ah... como é lindo o que Clarice diz... (Os dois portais por onde Maria entra no mundo: pela ética e pela beleza. Às vezes beleza terrível):

"Saudade

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."21

Enquanto espera, a companhia da poesia...


Eu sempre sonho que uma

coisa gera,

nunca nada está morto.

O que não parece vivo,

aduba.

O que parece estático, espera22


Tem sido na companhia dos poetas, da literatura, de filmes, de alguns poucos amigos (tão perdidos e sensíveis quanto ela) que Maria encontra interlocução. Como diz Safra, o rosto humano não é para ser encontrado apenas na mãe, mas ainda na cultura, no mundo, no social: "Há pacientes que vivem na queda de si mesmo e na queda do mundo. A poesia tem um valor semelhante ao ícone: devolve o rosto humano ao ser humano. É possível encontrar um poeta (como Fernando Pessoa ou Clarice) antes de encontrar alguém como interlocutor. É uma estética que revela o ser."23

Gilberto Safra, em seu livro A face estética do self enfatiza o estético – o sensorial – "objetos na sua materialidade, e nas suas formas, os corpos, os gestos, as dimensões do mundo – tempos, espaços, sons, cores, movimentos, ritmos – são tratados como as raízes e os ingredientes básicos de processos de constituição do self."24

O autor ali esclarece que utiliza o termo estético "para abordar o fenômeno pelo qual o indivíduo cria uma forma imagética, sensorial, que veicula sensações de agrado, encanto, temor, horror, etc... Estas imagens, quando atualizadas pela presença de um outro significativo, permitem que a pessoa constitua os fundamentos ou aspectos de seu self, podendo então existir no mundo humano"25.

Se a linguagem discursiva é tão valorizada no mundo ocidental e na psicanálise, há também uma evolução do objeto sensorial, ao longo do processo maturacional:

"Há o objeto subjetivo, que inicia a constituição do self; o objeto transicional, primeira possessão não-eu; o objeto de self, articulação simbólica de um estilo de ser; o objeto de self na cultura, conectando o sujeito à história do homem; o objeto de self artístico-religioso, apresentando o vértice estético e sagrado e inserindo o homem na atemporalidade da experiência humana" 26.

Maria e eu temos trabalhado principalmente em torno de objetos da cultura compartilhados por nós duas – nos quais ela se ancora, dando um uso pessoal27, e dessa forma sendo-lhe possível aos poucos tomar contato com sua capacidade criativa. Lugares-espaços-objetos que amenizam a dor do exílio e lhe dão a sensação de: "pensei que até pode ser que a vida valha a pena". Se, porventura, à mãe não foi possível devolver-lhe um olhar humano, os objetos da cultura a refletem.

Isso é tão urgente, que aquilo que não a reflete é repudiado!

Embora interpretações verbais sejam feitas, esse espaço de encontro se dá muito mais em torno desses objetos. Sendo assim, a sessão se apresenta mais como um espaço de experiência, do que de deciframento. Uma vez que o encontro se dá em torno principalmente de objetos materiais as interpretações acontecem na verdade, focando aqueles aspectos do self que são refletidos pelo objeto. Já os lugares-pessoas-objetos que não a espelham são vividos como não-lugares, espaços de abandono e desamparo.

O que eu posso lhe oferecer e o que ela necessita de mim?

Não é qualquer coisa: os cacoetes/códigos pré-definidos são desmontados com ironia, sem dó. "A fala tem que ser um dizer" (Safra). Rumble Fish, que não pode ser aprisionado, que desliza num setting criado a dois, cheio de portas e janelas, com espaço para silêncios e não-comunicação.

Se ela está na porta do mundo, não sou eu que tenho a chave, estou ali como (mais um) "representante da humanidade", sou alguém com quem é possível dialogar. Buscamos juntas compreender seus movimentos e não-movimentos aflitos; mas se o sentido não vem, o melhor é aguardar lendo Adélia Prado ou "praticando silêncios" (não, não – "são os silêncios que nos praticam", como diz Manoel de Barros).

É assim que Maria e eu nos comunicamos em torno do espaço potencial / zona de sonho em que circulam sentidos, objetos compartilhados, livros, textos, discos de Renato Russo, filmes, Adriana Calcanhoto, "cores de Frida Kahlo", "cores de Almodóvar". Um dia, conversando sobre o filme "Cria cuervos" comentei que gostava muito da cena em que o pequena Ana dançava uma música, que eu tinha o disco e o havia perdido. Ela me presenteia com a notícia que o Pato Fu!? havia gravado a tal música e me oferece uma fita cassete.

São oásis. Brechas num mundo não humano, possibilidades sagradas / preciosas de comunicação.

Ana-Maria-eu na dança da dor da perda do amor / Dança de tempos sobrepostos, almas entrelaçadas: chora-se a morte da mãe/do pai e do amante que partiu ou que um dia quem sabe partirá:


"Porque te vas

Hoy en mi ventana brilla el sol

Y el corazón se pone triste contemplando

la ciudad

Porque te vas

Como cada noche desperté pensando en ti

Y en mi reloj todas las horas vi pasar

Porque te vas

Todas las promesas de mi amor se irán

contigo

Me olvidarás, me olvidarás

Junto a la estación lloraré igual que un

niño

Porque te vas, porque te vas

Bajo la penumbra de un farol se

dormirán

Todas las cosas que quedaron por decir

se dormirán

Junto a las manillas de un reloj

despejarán

Todas las horas que quedaron por vivir

Esperarán" (José Luís Perales)

Enfim, Compaixão!


Comecei a escrever sobre Maria pensando em compaixão. Por quê?

Suas queixas de indiferença, ou de maldade, ou de uma sensibilidade não voltada para o fácil me fizeram lembrar o caminho de construção de minha própria compaixão. Também constituída na travessia de desertos de vazios ou vulcões de raivas e desamores. Compaixão que não exclui negativos. Este texto é também um passeio/re-visitação aos objetos que me fizeram companhia na minha travessia adolescente.

Se podemos falar de virtudes necessárias à clínica, a compaixão será das mais fundamentais? Não aquela que é puro sentimentalismo, piedade, ou compaixão vedante (que Dolto diferencia de compaixão estruturante28); mas que se sustenta na identificação com o outro, em sua totalidade (incluindo os aspectos destrutivos): "A compaixão é a simpatia na dor ou na tristeza, em outras palavras, é participar do sentimento do outro"29

Diferente da piedade que ressalta a insuficiência de seu objeto, "a compaixão, é um sentimento horizontal, só tem sentido entre iguais, ou antes, e melhor, ela realiza essa igualdade entre aquele que sofre e aquele (ao lado dele, e portanto, no mesmo plano) que comparti- lha do seu sofrimento. Nesse sentido, não há piedade sem uma par- te de desprezo; não há compaixão sem respeito"30.

A compaixão liga-se com um "respeito fundante" (não moral) pela singularidade da natureza humana que aí está. A compaixão permite a passagem da ordem afetiva à ordem ética.

"Compadece-te e faz o que deves" – passa-se assim da ordem do sentimento ao "que devemos". E se pensamos que em relação ao que devemos – em outros tempos/termos – se falaria em técnica, aqui eu pensaria em ética. Não é um dever senti-la (a compaixão), mas desenvolver em si a capacidade de senti-la.

No dizer de Françoise Dolto:

"A ética do humano, na medida do seu desenvolvimento, leva-o a identificar-se com todos os seres da criação. A ética não é a moral. A moral é um código de comportamento; a ética sustenta uma intenção na sua mira, ela é o desejo e o sentido que dele decorre. A moral, seja ela aplicada de forma agradável ou desagradável, seja ou não nociva para outrem, provém de pulsões. A ética é assunto do sujeito, a moral é assunto do ego; o sujeito funda-se sobre o simbólico, enquanto que o ego está no imaginário, está a serviço do funcionamento."31

Essa compaixão-nossa-de-cada dia que não pode ser desencarnada, como o "amor que não é puro sentimentalismo"32, que se nutre na própria dor e maldade. Que é tolo se não se enraíza na história pessoal (do ódio e do amor). Compaixão resultante do acolhimento dos vários outros de si mesmo. E só assim. Novamente recorro a Françoise Dolto:

"Para 'fazer o bem que se deseja’, é necessário poder falar de seu desejo de mal. Aliás, é isso que a cultura faz, em seu conjunto. Ela permite satisfações imaginárias (arte, literatura, esporte, ciência) e dá apaziguamento aos desejos, ao mesmo tempo que permite um enriquecimento de trocas na sociedade. Há no ser humano contradições, e todo desejo precisa poder ser falado. Há a realidade, há o imaginário, e também há essa vida simbólica que é o encontro de um outro com quem nos compreendemos, e com quem não estamos mais totalmente sozinhos diante de nossas contradições internas."33

Tempo


Ainda que eu falasse a língua dos homens

E falasse a língua dos anjos

Sem amor eu nada seria

(Luís de Camões, adaptação de Renato Russo).


Logo Maria completará vinte anos.

Feliz Aniversário, Maria!

E eu, quarenta.

"Quarenta anos: não quero faca nem queijo.

Quero a fome"34

Vou parando por aqui e seguindo o conselho de Maria, revisito Clarice, que em sua crônica "Mineirinho" nos diz:

"Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porque adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime. Continuo, porém, esperando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem."35

NOTAS


1. H. Hesse, Demian. História da juventude de Emil Sinclair, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 1968, p. 91.

2. M. Felinto, As mulheres de Tijucopapo. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1992, p. 55.

3. C. Lispector, Um sopro de vida: pulsações, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1994.

4. Neste sentido, Gilberto Safra vem pensando a "falha ambiental relacionando-a com a história de gerações".

5. C. Lispector, Água viva, Rio de Janeiro, Rocco, 1998, p. 40.

6. A. Calcanhoto.

7. H. Hesse, op. cit. P. 9-10.

8. D. W. Winnicott, Privação e Delinqüência, São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. 122.

9. H. Hesse, op. cit. P. 93.

10. Y. Rosenbaum, Metamorfoses do mal: uma leitura de Clarice Lispector, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp, 1999.

11. D. W. Winnicott, A família e o desenvolvimento individual, São Paulo, Martins Fontes, 1993, p. 125.

12. D. W. Winnicott, , op. cit., p. 122.

13. D. W. Winnicott, Textos selecionados da pediatria à psicanálise, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1993, p. 466.

14. M. Felinto, op. cit. p. 54.

15. C. Lispector, Para não esquecer, São Paulo, Siciliano, 1994, p. 188.

16. M. Felinto, op. cit., p. 62.

17. M. E. C. Pereira, Pânico e desamparo, São Paulo, Escuta, 1999, p. 370.

18. M. E. C. Pereira, op. cit. P. 370.

19. J. McDougall, As múltiplas faces de Eros: uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana. São Paulo, Martins Fontes, 1977.

20. Reflexões enriquecidas por observações em aula (23/09/00) do Prof. Gilberto Safra.

21. C. Lispector, A descoberta do mundo, Rio de Janeiro, Rocco, 1999, p. 106.

22. A. Prado, Poesia reunida.

23. G. Safra, palestra 2/10/99.

24.. G. Safra, A face estética do self: teoria e clínica, São Paulo, Unimarco, 1999, p. 11.

25. G. Safra, op. cit., p. 20.

26. G. Safra, op. cit., p. 30.

27. G. Safra, op. cit., p. 22.

28. Françoise Dolto fala de "compaixão vedante" e "compaixão estruturante". Compaixão vedante seria aquela "regressivadora", que quer poupar o outro de seus próprios sofrimentos; diferente da outra que implica em estar ao lado, a partir de uma identificação que não seja via culpa.

29. Comte-Sponville, Pequeno tratado das grandes virtudes, São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 117.

30. Comte-Sponville, op. cit., p. 127.

31. F. Dolto, Dialogando sobre crianças e adolescentes, São Paulo, Papirus,1989, p.112.

32. D. W. Winnicott, Textos selecionados da pediatria à psicanálise, op. cit., p. 352.

33. F. Dolto, As etapas decisivas da infância, São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 169.

34. A. Prado, op. cit., p. 155.

35. C. Lispector, Para não esquecer, São Paulo, Siciliano, 1994, p. 186.

Fátima Regina Flórido Cesar de Alencastro Graça é mestre em Psicologia Clínica, doutoranda na PUC/SP, membro do Laboratório de Estudos da Transicionalidade da PUC/SP e professora no curso de Psicologia da UNIP (São José dos Campos).

Socorro

Arnaldo Antunes / Alice Ruiz - 1998

Socorro, não estou sentindo nada.
Nem medo, nem calor, nem fogo,
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir.

Socorro, alguma alma, mesmo que penada,
Me empreste suas penas.
Já não sinto amor nem dor,
Já não sinto nada.

Socorro, alguém me dê um coração,
Que esse já não bate nem apanha.
Por favor, uma emocão pequena,
Qualquer coisa.

Qualquer coisa que se sinta,
Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva.

Socorro, alguma rua que me dê sentido,
em qualquer cruzamento,
acostamento,
encruzilhada,
Socorro, eu já não sinto nada.

Socorro, não estou sentindo nada.

Quarto de dormir

Arnaldo Antunes / Marcelo Jeneci

um dia desses você vai ficar lembrando de nós dois
e não vai acender a luz do quarto quando o sol se for
bem abraçada no lençol da cama vai chorar por nós
pensando no escuro ter ouvido o som da minha voz
vai acariciar seu próprio corpo e na imaginação
fazer de conta que a sua agora é a minha mão
mas eu não vou saber de nada do que você vai sentir
sozinha no seu quarto de dormir

no cine-pensamento eu também tento reconstituir
as coisas que um dia você disse pra me seduzir
enquanto na janela espero a chuva que não quer cair
o vento traz o riso seu que sempre me fazia rir
e o mundo vai dar voltas sobre voltas ao redor de si
até toda memória dessa nossa estória se extinguir
e você nunca vai saber de nada do que eu senti
sozinho no meu quarto de dormir

Qualquer


Um dos temas que Manuela Azevedo cantou ontem à noite na Casa da Música, com Arnaldo Antunes


Qualquer
Arnaldo Antunes / Hélder Gonçalves / Manuela Azevedo, in Qualquer

qualquer traço linha ponto de fuga
um buraco de agulha ou de telha
onde chova

qualquer perna braço pedra passo
parte de um pedaço que se mova

qualquer

qualquer fresta furo vão de muro
fenda boca onde não se caiba

qualquer vento nuvem flor que se imagine além de onde o céu acaba

qualquer carne alcatre quilo aquilo sim e por que não?

qualquer migalha lasca naco grão molécula de pão

qualquer dobra nesga rasgo risco
onde a prega a ruga o vinco da pele
apareça

qualquer lapso abalo curto-circuito
qualquer susto que não se mereça

qualquer curva de qualquer destino que desfaça o curso de qualquer certeza

qualquer coisa

qualquer coisa que não fique ilesa

qualquer coisa

qualquer coisa que não fixe

Pedido de casamento


Pois é! A noite de ontem na Casa da Música, teve pedido de casamento e tudo...
Faço minhas as palavras do Arnaldo Antunes:

"Mas se quiser me diga, por favor", deixa um comentário, vai! ;-)


Pedido de casamento
Arnaldo Antunes - 2003, in Saiba

Eu sei que a gente ia ser feliz juntinho
Pra todo dia dividir carinho
Tenho certeza de que daria certo
Eu e você, você e eu por perto

Eu só queria ter o nosso cantinho
Meu corpo junto ao seu mais um pouquinho
Tenho certeza de que daria certo
Nós dois sozinhos num lugar deserto

Se você não quiser
Me viro como der
Mas se quiser me diga, por favor
Pois se você quiser
Me viro como for
Para que seja bom como já é

Eu sei que eu ia te fazer feliz
Dos pés até a ponta do nariz
Da beira da orelha ao fim do mundo
Sugando o sangue de cada segundo

Te dou um filho, te componho um hino
O que você quiser saber eu ensino
Te dou amor enquanto eu te amar
Prometo te deixar quando acabar

Se você não quiser
Me viro como der
Mas se quiser me diga, meu amor
Pois se você quiser
Me viro como for
Para que seja bom como já é

Debaixo d'água


Uma das canções que Arnaldo Antunes cantou ontem à noite na Casa da Música.
Lembrando o tempo em que vivíamos nas barrigas das nossas mães e éramos: "um feto
sereno confortável, amado completo, sem chão sem teto,sem contato com o ar...".

O concerto contou com a participação de Manuela Azevedo em duas músicas, e na plateia podia-se ver também Hélder Gonçalves, dos Clã.


Debaixo d'água
Arnaldo Antunes - 2001

Debaixo d'água tudo era
mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar

Mas tinha que respirar

Debaixo d'água
se formando
como um feto
sereno confortável
amado completo
sem chão sem teto
sem contato com o ar

Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

Debaixo d'água por encanto
sem sorriso e sem pranto
sem lamento e sem saber
o quanto esse momento
poderia durar

Mas tinha que respirar

Debaixo d'água ficaria
para sempre
ficaria contente
longe de toda gente
para sempre
no fundo do mar

Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

Debaixo d'água
protegido salvo
fora de perigo aliviado
sem perdão e sem pecado
sem fome sem frio
sem medo
sem vontade de voltar

Mas tinha que respirar

Debaixo d'água tudo era
mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar

Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

segunda-feira, julho 21, 2008

Clã no Festival "Delta Tejo"


Sendo fã incondicional dos Clã, considerando-a a melhor banda do mundo, é com enorme satisfação que leio o seguinte na edição do Jornal Metro de hoje:

"Adriana Calcanhoto fechou o festival com forte concorrência. Os Clã actuavam no palco secundário e Manuela Azevedo é bem conhecida por fazer as plateias caírem a seus pés. A banda portuense acabaria mesmo por roubar algum público à brasileira qu além dos temas do último disco, "Maré", interpretou grandes êxitos. Foram, de resto, esse os pontos altos num concerto morno."

Reparem bem. Eu também adoro Adriana Calcanhoto. Se procurarem, irão encontrar várias referências à Adriana, neste blog. Comprei o "Maré" e só não fui vê-la em Abril, ao Coliseu do Porto, porque na altura estava mal de finanças (não que me encontre numa situação muito melhor hoje...). O que eu contesto é os Clã terem sido considerados uma banda de palco secundário, e mais ainda terem actuado ao mesmo tempo que a Adriana. Por isso ter acontecido, e só por isso, fico contente com o "roubo" à Adriana.

Energia Nuclear? Não, obrigado!



sexta-feira, julho 18, 2008

Os Delfins Acabaram



Vamos esta noite


Vamos Esta Noite, é o terceiro single do albúm Cintura.
A animação de Laurie Thinot volta a servir de imagem a um vídeo dos Clã depois do sucesso de Sexto Andar. Em «Vamos Esta Noite» (Arnaldo Antunes/Hélder Gonçalves), a realizadora francesa cruza esta técnica com imagens da banda ao vivo e o resultado supera as expectativas.
Letra: Arnaldo Antunes / Música: Hélder Gonçalves
Realizadora: Laurie Thinot
Produtora: Autour de Minuit



quinta-feira, julho 17, 2008

Radiohead gravam novo videoclip sem câmaras

Notícia retirada do Expresso
por Pedro Miguel Neves

A banda britânica volta a inovar e prescinde de câmaras para gravar o vídeo do single "House of Cards", partilhando o software com os cibernautas. (Veja o vídeo no final do texto).

Os Radiohead voltaram a surpreender a indústria musical com mais uma inovação. A banda britânica gravou o videoclip do single "House of Cards" sem utilizar câmaras ou luzes, recorrendo apenas a lasers e dados. As imagens a três dimensões de Thom Yorke e dos actores foram capturadas com recurso a 64 lasers e a luz estruturada.

No vídeo, os lasers rodam e filmam a 360 graus, 900 vezes por minuto, para produzir as cenas de exteriores. Os Radiohead voltam a criar uma grande interactividade com os fãs, pois os dados resultantes dessas imagens podem ser descarregados e utilizados livremente pelos cibernautas. Isto depois de a banda ter lançado partes do single "Nude" para os fãs remisturarem livremente a música, que faz parte do alinhamento do último álbum, "In Rainbows".

O vocalista Thom Yorke explicou porque a banda escolheu não usar câmaras na gravação do videoclip de "House of Cards". "Sempre gostei da ideia de usar tecnologia de uma forma que não é suposto, da luta para levar a tua mente a fazer algo com isso. Gostei da ideia de fazer um vídeo de seres humanos, da vida real e do tempo sem usar câmaras; existem apenas pontos matemáticos - e acabou por se tornar tão estranhamente emocional", afirmou o líder dos Radiohead.

Quem quiser experimentar a nova tecnologia ou criar um vídeo, basta consultar os links no final do texto. Os Radiohead já criaram um grupo no Youtube para os fãs fazerem o upload das suas criações.




Relacionados

quarta-feira, julho 16, 2008

A frase


"Os países que adoptaram políticas neo-liberais são os grandes derrotados; não souberam tirar partido do crescimento, e quando cresceram de facto, os benefícios ficaram nas mãos dos que ocupam o topo da pirâmide".


Joseph E. Stiglitz, prémio Nóbel da Economia, "Diário Económico", 14-07-2008

Pagar primeiro e casar depois

Manuel António Pina
in, JN

Proclamou a dra. Ferreira Leite, para justificar a sua oposição aos casamentos homossexuais, que o casamento "tem por objectivo a procriação", à maneira daquele piedoso bispo italiano que um dia destes negou casamento a um paraplégico da cintura para baixo por ele não poder "procriar" (ainda se fosse paraplégico da cintura para cima, mas constara ao bispo que é da cintura para baixo que se procria!).

A levar a dra. Ferreira Leite a sério (o que, convenhamos, é cada vez mais difícil), se ela chegar um dia a primeira-ministra, os casais inférteis que se cuidem: não haverá casamento para ninguém. E o mesmo quanto aos casais que, por qualquer motivo, não pensem em (elegante expressão) "procriar". Ao mesmo tempo, será excluído do Código Civil, por indecente e má figura, o vetusto instituto do casamento "in articulo mortis", pois não é crível que um moribundo se ponha apressadamente a "procriar" mal se apanhe casado e antes que se fine. Com a dra. Ferreira Leite a primeira-ministra, talvez passe mesmo a ser obrigatório, para evitar fraudes, "procriar" (isto é, pagar) primeiro e casar depois

Ó Zé aperta o laço, ó Zé aperta-o bem

O laço bem apertado
Ai ó José
Fica-te bem! ;-)



O óleo que deita fora pode ser mais perigoso do que imagina


Talvez não saiba, mas o óleo alimentar que já não serve para si pode ainda ajudar muita gente. Em vez de o deitar fora, entregue-o nos restaurantes aderentes para que este seja recolhido. Além de diminuir a poluição do planeta, cada litro de óleo será transformado num donativo para ajudar a AMI na luta contra a exclusão social. Dê, vai ver que não dói nada.



Para participar neste projecto da AMI:
- Junte o óleo alimentar que usa na sua cozinha numa garrafa de plástico e entregue-a quando estiver cheia num dos restaurantes aderentes. Os restaurantes estão identificados e a lista completa está disponível em www.ami.org.pt;
- Afixe cartazes no comércio da sua localidade e distribua folhetos nas caixas de correio. Solicite materiais, enviando um e-mail para reciclagem@ami.org.pt;


  • Divulgue esta informação no seu site ou blog;
  • Encaminhe este e-mail para a sua lista de contactos.


Press release:
Pela primeira vez, vai passar a existir em Portugal, uma resposta de âmbito nacional para o destino dos óleos alimentares usados. A partir de dia 15 de Julho, a AMI lança ao público este projecto que conta já com a participação de milhares de restaurantes, hotéis, cantinas, escolas, Juntas de Freguesia e Câmaras Municipais.
A AMI dá com este projecto continuidade à sua aposta no sector do ambiente, como forma de actuar preventivamente sobre a degradação ambiental e sobre as alterações climáticas, responsáveis pelo aumento das catástrofes humanitárias e pela morte de 13 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
Os cidadãos que queiram entregar os óleos alimentares usados, poderão fazê-lo a partir de agora. Para tal, poderão fazer a entrega numa garrafa fechada, dirigindo-se a um dos restaurantes aderentes, que se encontram identificados e cuja listagem poderá ser consultada no site www.ami.org.pt.
Os estabelecimentos que pretendam aderir, recebendo recipientes próprios para a deposição dos óleos alimentares usados, deverão telefonar gratuitamente para o número 800 299 300.
Este novo projecto ambiental da AMI permitirá evitar a contaminação das águas residuais, que acontece quando o resíduo é despejado na rede pública de esgotos, e a deposição do óleo em aterro. Os óleos alimentares usados poderão assim ser transformados em biodiesel, fornecendo uma alternativa ecológica aos combustíveis fósseis, e contribuindo desta forma para reduzir as emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE). Ao contrário do que por vezes acontece com o biodiesel de produção agrícola, esta forma de produção não implica a desflorestação nem a afectação de terrenos, nem concorre com o mercado da alimentação.
São produzidos todos os anos em Portugal, 120 milhões de litros de óleos alimentares usados, quantidade suficiente para fabricar 170 milhões de litros de biodiesel. Este valor corresponde ao gasóleo produzido com 60 milhões de litros de petróleo, ou seja, o equivalente a cerca de 0,5% do total das importações anuais portuguesas deste combustível fóssil. A AMI dá assim a sua contribuição para favorecer a independência energética do país, conseguindo atingir este objectivo de forma sustentável e com uma visão de longo prazo, não comprometendo outros recursos igualmente fundamentais para o desenvolvimento da sociedade e para o bem-estar da população.
Segundo a União Europeia, o futuro do sector energético deverá passar pela redução de 20% das emissões de GEE até 2020, assim como por uma meta de 20% para a utilização de energias renováveis. Refere ainda uma aposta clara na utilização dos biocombustíveis, que deverão representar no mínimo 10% dos combustíveis utilizados.
A UE determina ainda que os Estados-Membros deverão assegurar a incorporação de 5,75% de biocombustíveis em toda a gasolina e gasóleo utilizados nos transportes até final de 2010 e o Governo anunciou, em Janeiro de 2007, uma meta de 10% de incorporação de biocombustíveis na gasolina e gasóleo, para 2010.
As receitas angariadas pela AMI com a valorização dos óleos alimentares usados serão aplicadas no financiamento das Equipas de Rua que fazem acompanhamento social e psicológico aos sem-abrigo, visando a melhoria da sua qualidade de vida.

Fundação AMI
Rua José do Patrocínio, 49 | 1949-008 Lisboa | Tel. 218 362 100 | Fax 218 362 199
E-Mail: reciclagem@ami.org.pt | Internet: www.ami.org.pt

terça-feira, julho 15, 2008

Vida Diet

John Ulhoa
in, Toda cura para todo o mal, Pato Fu

A gente se acostuma com tudo
A tudo a gente se habitua
E até não ter um lugar
Dormir na rua
A tudo a gente se habitua

Me habituei ao pão light
À vida sem gás
O meu café tomo sem açúcar
E até ficar sem comer
Sem te ver
A gente custa mas se habitua

Sem giz, sem água
Sem paz, sem nada

Não vai ser diferente
Se eu me for de repente
Se o céu cai sobre o mundo
E o mar se abrir
Em um inferno profundo

Se acostumou sem querer
Ao salto alto
Salário baixo, à vida dura
E até ficar sem tv
É bom pra você
Televisão ninguém mais atura

Tudo

John Ulhoa
in, Toda a cura para todo o mal, Pato Fu

Tudo que se acende apaga
Tudo que está dentro sai
Tudo que sobe desce
E tudo se encaixa

Tudo que se perde ganha
Tudo que levanta cai
Tudo que bate apanha
E tudo se encaixa

Tudo que se lembra esquece
Tudo que volta vai
Tudo que é triste alegre
E tudo se encaixa

Tudo que é feio é belo
Tudo que é filho é pai
Tudo martelo e prego
E tudo se encaixa

Sorte e Azar

John Ulhoa/Ricardo Koctus
in, Toda a cura para todo o mal, Pato Fu

Tudo está
Fora de seu lugar

Já notei
O mundo não foi
Feito pra mim

Vivo só
Pra me arrepender
De eu não ser
Do tipo que diz
Sem querer

O que está fora
De seu lugar
Que você venha pra modificar

Sorte e azar
Vão me disputar

E eu não fui
Capaz de me mover
Daqui até ali

Estudar pra quê?

John Ulhoa
in, Toda a cura para todo o mal, Pato Fu

Quem mexe com internet
Fica bom em quase tudo
Quem tem computador
Nem precisa de estudo
Estudar pra quê?
Estudar pra quê?
Estudar pra quê?
Estudar pra quê?

Quem mexe com internet
Fica rico sem sair de casa
Quem tem computador
Não de precisa de mais nada
Estudar pra quê?
Estudar pra quê?
Estudar pra quê?
Estudar pra quê?

Boa noite Brasil

John Ulhoa
in, Toda a cura para todo o mal, Pato Fu

Essa noite o locutor
Errou mais uma vez
E um satélite no céu
Contou pra todo mundo
O que ele fez

Eu não gosto muito dele
Perfeito até demais
Nunca fala palavrão
E nem pediu perdão
Pra recomeçar
De onde parou
Sem mesmo piscar

No intervalo comercial
Reuniu seu pessoal
Disse que assim não dava
Pra continuar
Demitiu seu assistente
Que foi quem o distraiu
E mandou toda sua gente
Descobrir quem foi que riu
E recomeçou de onde parou
Sem mesmo piscar

Quando intervalo acabou
Eu não sei se o senhor notou
O seu rosto estava cheio de uma fúria
Os seus olhos cheios de uma dor
E ao se despedir do telespectador
Disse:
Boa noite Brasil,
Vai pra puta que o pariu!

Amendoim

John Ulhoa
in, Toda a cura para todo o mal, Pato Fu

Acho que sou um cachorro sim
Acho que sou um cachorrim
Minha vida vai
Um ano contam sete
Rumo ao fim
Acho que ninguém tem dó de mim

Quase não me sobra tempo algum
Não conheço bem lugar nenhum
Fora do trabalho
Eu acho essa cidade
Tão ruim
Acho que ninguém tem dó de mim

Todo dia nasce um bebê
Pra dividir a vida com você
Todos os dias vão nascer
Bebês com meia vida pra viver
Todos os dias vão nascer
Ié ié ié!

Sou tão dedicado a ser comum
Anos vão passando um a um
E o tempo pela frente
Comigo é diferente
Conto assim:
Sete, catorze, vinte e um

Boas notícias?!

Manuel António Pina
in, JN

Os últimos dias foram férteis em boas notícias. Enquanto Sócrates prometia uma redução de 30% num imposto que não existe (o IA sobre automóveis eléctricos), a ministra da Educação anunciava que os alunos portugueses se tornaram, de um ano para o outro, génios matemáticos graças ao ovo de Colombo saído da mente imaginosa do seu Ministério: só lhes perguntar o que sabem, ou ainda menos, assegurando-lhes assim, mesmo aos mais ignorantes, aquilo que a directora de Educação do Norte classifica como o seu "direito ao sucesso".

Por sua vez, Vieira da Silva louvava no fim-de-semana efusivamente no "Expresso" as esquisitas virtudes do "seu" Código do Trabalho. Parece que o BE vai fazer suas, na AR, as propostas de alteração que o mesmo Vieira da Silva em tempos fez ao Código Bagão Félix.

O país está suspenso do modo como votará o PS as medidas que preconizava quando era Oposição, e que voltará a preconizar quando for Oposição outra vez, assim como a ministra da Educação passará então a ser a mais acrisolada crítica do facilitismo. Pensando bem, deveria ser sempre a Oposição a formar Governo.

Agridoce

John Ulhoa
in, Toda a cura para todo o mal, Pato Fu

Por que você às vezes
Se faz de ruim?
Tenta me convencer
Que não mereço viver
Que não presto, enfim

Saio em segredo
Você nem vai notar
E assim sem despedida
Saio de sua vida
Tão espetacular

E ao chegar lá fora
Direi que fui embora
E que o mundo já pode se acabar
Pois tudo mais que existe
Só faz lembrar que o triste
Está em todo lugar

E quando acordo cedo
De uma noite sem sal
Sinto o gosto azedo
De uma vida doce
E amarga no final

Saio sem alarde
Sei que já vou tarde
Não tenho pressa
Nada a me esperar
Nenhuma novidade
As ruas da cidade
O mesmo velho mar

Ops!


Manuel Alegre, lança a revista "Ops!" Visita o site aqui.

Depois


Os Clã, presentearam os Maiatos na passada sexta-feira, com mais um brilhante concerto.
Este meninos não sabem fazer as coisas por menos. Depois de começarem a digressão de Cintura, com uma nova versão de O meu estilo, prepararam para a Aula Magna e a Casa da Música, uma versão de Sopro do Coração apenas com a Manuela e o Hélder em palco. Mas, não ficaram por aqui... Na Maia, podémos ainda assistir a um final diferente de Fahrenheit.
Ficámos ainda, todos animados com o "Guaraná", dos Pato Fu.
O concerto valeu também pelo convívio com a banda, no final.
Deixo-vos então, Depois, dos Pato Fu.


Depois
John Ulhoa

Não foi dessa vez
Mas pode ter certeza
Mal posso esperar
Pra fugir da tristeza
Amanhã talvez
Vai ser um carnaval
Vão falar de mim
Pro bem ou pro mal

Tomo um café e um guaraná pra me animar
Mas ficou tão tarde
Que é melhor deixar pra lá...

Quando penso em nós dois
Deixo tudo pra depois
Quando penso em nós três
Fica pra outra vez

Juntei passos, palavras
Não era bem o momento
Fingi não querer nada
Tem horas que não me aguento...
Prometo, juro, garanto
Vou resolver tudo isso
Assim que tiver coragem
E mais nenhum compromisso

O Estado da Nação



Sultans of Swing

Dire Straits

You get a shiver in the dark
Its been raining in the park but meantime
South of the river you stop and you hold everything
A band is blowing dixie double four time
You feel all right when you hear that music ring

You step inside but you dont see too many faces
Coming in out of the rain to hear the jazz go down
Too much competition too many other places
But not too many horns can make that sound
Way on downsouth way on downsouth london town

You check out guitar george he knows all the chords
Mind hes strictly rhythm he doesnt want to make it cry or sing
And an old guitar is all he can afford
When he gets up under the lights to play his thing

And harry doesnt mind if he doesnt make the scene
Hes got a daytime job hes doing alright
He can play honky tonk just like anything
Saving it up for friday night
With the sultans with the sultans of swing

And a crowd of young boys theyre fooling around in the corner
Drunk and dressed in their best brown baggies and their platform soles
They dont give a damn about any trumpet playing band
It aint what they call rock and roll
And the sultans played creole

And then the man he steps right up to the microphone
And says at last just as the time bell rings
thank you goodnight now its time to go home
And he makes it fast with one more thing
we are the sultans of swing

Stairway to Heaven

Led Zeppelin


There's a lady who's sure all that glitters is gold
And she's buying a stairway to heaven
And when she gets there she knows if the stores are closed
With a word she can get what she came for

Woe oh oh oh oh oh
And she's buying a stairway to heaven

There's a sign on the wall but she wants to be sure
And you know sometimes words have two meanings
In a tree by the brook there's a songbird who sings
Sometimes all of our thoughts are misgiven

Woe oh oh oh oh oh
And she's buying a stairway to heaven

There's a feeling I get when I look to the west
And my spirit is crying for leaving
In my thoughts I have seen rings of smoke through the trees
And the voices of those who stand looking

Woe oh oh oh oh oh
And she's buying a stairway to heaven

And it's whispered that soon, if we all call the tune
Then the piper will lead us to reason
And a new day will dawn for those who stand long
And the forest will echo with laughter

And it makes me wonder

If there's a bustle in your hedgerow
Don't be alarmed now
It's just a spring clean for the May Queen

Yes there are two paths you can go by
but in the long run
There's still time to change the road you're on

Your head is humming and it won't go in case you don't know
The piper's calling you to join him
Dear lady can't you hear the wind blow and did you know
Your stairway lies on the whispering wind

And as we wind on down the road
Our shadows taller than our soul
There walks a lady we all know
Who shines white light and wants to show
How everything still turns to gold
And if you listen very hard
The tune will come to you at last
When all are one and one is all
To be a rock and not to roll
Woe oh oh oh oh oh
And she's buying a stairway to heaven

There's a lady who's sure all that glitters is gold
And she's buying a stairway to heaven
And when she gets there she knows if the stores are closed
With a word she can get what she came for

And she's buying a stairway to heaven, uh uh uh

sexta-feira, julho 11, 2008

O CUzinho da SIC

Sérgio Castro
in, Trabalhadores do Comércio - Iblussom

Algumas pessoas continuam a insistir, principalmente da cintura (do país) para baixo, que não têm CU. Não os censuro por quererem ter "rabo". Aqui na Galiza, onde vivo, todos os machos o temos, só que do lado oposto.
Quando eu era pequenino, a minha mãe deixou-me bem explícito que o conjunto formado pelas duas nádegas e pelo ânus (vulgo "olho do cu") constituía um órgão vital para a sobrevivência de todo o ser humano, pois para além de almofada de protecção do osso ilíaco -- sei bem do que falo, pois ainda recordo os bancos de pau das carruagens de 3ª classe da CP, tão bem quanto as carteiras da escola primária, do liceu ou até da UP -- este órgão é o responsável pela expulsão de tudo, ou quase tudo, o que sobra no nosso organismo. No seu propósito de me educar convenientemente, a mãe Casais (que nunca aceitou adoptar o apelido Castro, já podeis imaginar de que "marca" é) ensinou-me a referir-me a ele (ao órgão) como TUTU. Convenhamos que era uma razoável aproximação e, afinal, uma garantia, que o Serviço Nacional de Censura, a PIDE ou simplesmente um exacerbado brigadeiro de bons costumes não me viria incomodar. Assim cresci, convencido que tanto eu como o gato tínhamos um tutu cada um, só que o dele ornamentado por um nervoso e irrequieto RABO. Rabo eu não tinha não, nem ninguém na família.
Passaram todos estes anos, com câmbios notáveis na nossa sociedade, revolução de Abril incluída, e chego agora à conclusão que fui um grande atrevido, quando tive a ousadia de escrever, musicar e propor aos meus companheiros que a integrassem num CD e no repertório dos Trabalhadores, uma canção intitulada "Cu ó léu". Pelos vistos, esta palavra (Cu), que figura no lugar que lhe pertence no dicionário da Porto-Editora, da mesma forma que na Tabela Periódica da Química, não é apropriada para consumo, entre outras, das "boas famílias" que contribuem para os picos de audiência do programa "Chamar a Música" da SIC, no qual participamos há umas semanas e que, ironia das ironias, é apresentado pelo nosso amigo Herman, todo um especialista em liberdades verbais. A produção do programa, depois de tentar demover-nos de interpretar a canção por inapropriada para o horário "nobre" e tipo de audiência (crianças, disseram?!?), aceitou, mas apesar do trabalho que me deram a preparar as legendas em Português académico (como de resto se pôde observar na interpretação do "Chamem a pulíssia" - ver post) não as emitiram e trataram a canção e os intérpretes como produto do orifício em discussão. Reparem bem no resultado. Foi tal qual como se pode apreciar.

Para cúmulo, em nenhum momento indicam que as vozes são em directo em ambas as canções. Coisas da TV.

Silly Season

Jorge Prendas
in, Vozes da Rádio

Não sei bem o que é isso da silly season, porque vivo uma constante silly life, rodeado por colegas de grupo completamente sillies. No entanto ontem, ao estrebuchar da manhã, comecei a perceber melhor este conceito associado ao Verão e ao tempo quente.
Ainda me mentalizava que tinha de me levantar, quando leio no rodapé da SIC notícias: “Delfins deverão anunciar para a semana o fim do grupo”. Virei-me mais uma vez na cama e pensei nisto. Porque se anuncia um anúncio, quando já se sabe o que vai ser dito? Qual é o interesse em saber que para a semana o grupo vai dizer que já morreu? Se agora nos aparecesse na pantalha (adoro este estrangeirismo) o Churchill a dizer que ia morrer, alguém duvidava? Não estamos perante um anúncio do anúncio do cadáver a anunciar que vai morrer? Fui moendo estas ideias, enquanto pelo canto do olho ia lendo mais notícias em rodapé. Ainda esperei ver mais anúncios destes mas dos Pólo Norte, nada… apenas o desprendimento de umas placas de gelo na Patagónia, que fica no lado B do mundo.
No banho fiz a associação que me abriu o entendimento do que é a silly season. A canção “não sejas silly/ não sejas silly/ não sejas silicone/ como a Sharon Stone” dos Delfins faz-me entender o anúncio do anúncio. É a silly season a despertar! Lembro-me bem de ouvir a explicação para o pouco sucesso do disco onde estava esta pérola. “Um disco maduro, que o público não percebeu”. Só já não me lembro se na altura houve anúncio para anunciar que somos uma cambada de burros.
O dia continuou, e eu já precavido, fui olhando para a vida com olhos bem mais silly que habitualmente. A meio da tarde entro num café (se não me engano de nome “Paulinha”, o que só por si é silly) e vejo que na TVI estava a ser transmitido em directo um concurso. Não sei do que se trata, mas vi uma jovem concorrente e ao lado dela o seu perfil. Sonho: ser proprietária de uma cresce. Ainda vacilei e olhei de novo. Cresce, sim estava escrito cresce. Se pensarmos de forma silly, está bem escrito. Uma creche é um aviário humano, onde se depositam pequenos seres e de onde saem crianças, muitas delas bem badochas, já com voz de gente. É um local de crescimento. A Academia das Letras devia desde já aceitar este novo grafismo para creche e até enquadrá-lo etimologicamente.
Novo concorrente. Moço nos seus vintes, perfil físico de cortador de carnes verdes e pelas informações dadas desempregado. Sonho: Passar férias nas ilhas do Pacífico. Outro sinal bem silly! O homem devia sonhar com trabalho, com formas mais decentes de ganhar a vida do que participar nos concursos da tarde… mas não, quer logo vida de lord, de preferência com um séquito de gajas boas ao lado! Triste sina a dele, que a pensar assim ainda acaba com o rendimento social de inserção…Muito silly!
Hoje, novo dia, e já imbuído do espírito universal da silly season, li mais sobre os nossos colegas músicos. Afinal o anúncio da próxima semana, foi ontem mesmo anunciado e é um fim ao estilo morte lenta. Ficou já marcado o concerto final para 2009! Mesmo para o último dia do ano. Daqui até lá, ficarão com certeza como o protagonista da Crónica de uma Morte Anunciada (que já li há mais de 20 anos, por isso não sei o nome do infeliz): toda a gente sabe que ele já está morto e só ele insiste em julgar que não.

quarta-feira, julho 09, 2008

A Borla


Saíu o jornal "A Borla". Conheça as novidades na selecção nacional.

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PSD: Uma evolução na continuidade

Mário Tomé
in, Vírus, Revista Virtual do Bloco de Esquerda

A SOCIAL DEMOCRACIA À PSD TEM UMA GÉNESE PRÓPRIA. ELA RADICA NUM MARCELLISMO EVOLUTIVO E NUNCA DE LÁ SAIU. NÃO SOFRE DO PECADO ORIGINAL DA SOCIAL-DEMOCRACIA EUROPEIA. ELA NÃO FOI CONDICIONADA POR MOVIMENTOS DE MASSAS, PORQUE O 25 DE ABRIL NUNCA EXISTIU OU NÃO PASSOU DA EVOLUÇÃO NA CONTINUIDADE!

AS RECENTES ELEIÇÕES NO PSD PROVOCARAM uma avalanche de interpretações e comentários sobre o estado a que teria chegado o partido e de previsões mais ou menos preocupadas sobre o seu futuro.
Ponderou-se mesmo a hipótese de, sem bússula nem rédea, poder vir a desaparecer por evidente desnecessidade face ao papel que o PS representa hoje na prática da política reservada pelo neoliberalismo aos Estados modernos; a saber, a privatização de tudo o que possa ser mercadejado e a organização sistemática e democrática da repressão até à integração na estratégia global da guerra infinita contra os povos.
A mais favorável das previsões terá sido a de Paulo Rangel que considera a actual situação não um sinal de desastre para o PSD mas, pelo contrário, uma premonição de que algo de novo vem aí: a recomposição do sistema político partidário. Rangel deu voz ao secreto desejo “social democrata” de que o bloco central de interesses encontre uma plataforma comum que, explorando a fundo as virtualidaes do neoliberalismo, permita aos negócios livrarem-se de contradições secundárias. Por mais que se reafirme que nunca mais haverá bloco central. Claro, será mais plausível assistir-se a uma recomposição do espectro partidário...
No que ao PSD interessa, dum lado o social-liberalismo aglutinando os sectores mais desinibidos e que não precisam do cristianismo como fundador da Europa e portanto mais abertos à luxúria cosmopolita; do outro lado a direita pura e dura, cabeças juntas e patas para fora reclamando-se da defesa dos valores de Deus, Pátria e Família acima de todas as coisas. A Pátria dos mortos, porque a dos vivos está sempre em construção.

O PÂNTANO ALEGROU-SE COM O COAXAR DAS RÃS
Sendo significativo que pouco mais de seis meses depois de Luís Filipe Meneses ter sido eleito por muito confortável maioria, o PSD já tenha sentido necessidade de mudar de chefe, é ainda mais significativo que se achasse estranho a acesa e por veses pouco delicada luta travada entre os vários pretendentes a... derrotar o PS de Sócrates em 2009. Cada qual mais destituído que o outro de alternativa coerente .Saiu afinal o que tinha de sair: a solução mais próxima do poder, a cavaquista Manuela Ferreira Leite.
O coaxar das rãs no pântano reflectiu a luta entre os interesses instalados de grupos vorazes e parasitários do erário público, mesmo quando se proclamam paladinos da iniciativa privada.
Já no início dos anos noventa Cavaco Silva, sem nenhuma originalidade mas com o peso da sua maioria absoluta, proclamava que só o mercado livre garante a democracia.. Ouvindo o hoje o presidente da República preocupado exactamente com a violência das consequências do que considera a condição sine qua non da democracia – a liberdade do mercado -, e a sua mais fiel discípula, a vencedora das eleições directas no PSD, colocar no centro do discurso a preocupação face à situação de “emergência social”, temos razões para não desanimar: é o PSD no seu melhor.
O PSD nunca foi mais do que isto que nos mostrou nestas eleições internas: a disputa entre interesses pouco claros mas estreitos e cristalizados em torno de figuras que nada mais têm para oferecer que a garantia de que são ganhadoras! Ao ponto de o troglodita das ilhas ter sido apontado, por gente credenciada, como o melhor candidato a Primeiro Ministro porque... “é um ganhador”.
Programa? poder. Ideologia? dinheiro.
O PSD desde muito cedo se habituou ao pragmatismo mais rasteiro, aliás o mais apropriado para assegurar a satisfação dos grupos de interesses instalados ou emergentes nas várias conjunturas, na parasitagem institucionalizada que tem caracterizado os governos em Portugal desde o 25 de Novembro com maior notoriedade desde os dois Governos da AD (PSD,CDS,PPM), culminando com os dez anos de consulado cavaquista.

MEUS FILHOS, O VINHO TAMBÉM SE PODE FAZER COM UVAS
Sá Carneiro não legou verdadeiramente um programa ao PSD. Legou-lhe um guia prático de conquista do poder.
Sá Carneiro quando não tinha a certeza de ganhar, desertava e depois voltava para secar as lágrimas dos abandonados. Quando conseguiu a vitória da AD por maioria absoluta em eleições intercalares em 1979, de imediato preparou o seu grande golpe: um plebiscito para substituir a Constituição de 1976 por uma que permitisse o “reencontro com a nossa história”, interrompida, como já vimos, pelo 25 de Abril.
Assim, tendo mantido a maioria da AD em 1980, recusou apresentar na AR, estando a isso constitucionalmente obrigado, o programa de governo para só o vir a fazer com a vitória desejada e esperada do General Soares Carneiro candidato da AD à presidência da República.
Preparando o golpe, a AD lançou um forte ataque à liberdade de informação, impedindo os Conselhos de Redacção de funcionar, chegando-se ao ponto de os seus testas de ferro na RDP chamarem a polícia para impedir o Conselho de Redacção de reunir.
Grande parte dos melhores jornalistas da RDP e da RTP foram irradiados ou colocados na prateleira sendo substituídos por comissariozinhos políticos e analfabetos.
O próprio Marcelo Rebelo de Sousa dizia no Expresso em Outubro de 1980: “temos, deste modo, à frente da gestão das instituições informativas controladas pelo Estado pessoas escolhidas de acordo com um critério político e que obviamente actuarão de acordo com esse critério”.
A RTP e a RDP, ao serviço da eleição de Soares Carneiro, chamavam ao campo de concentração de S. Nicolau, de que aquele fora responsável, “granja de recuperação de indígenas”.
A trágica morte de Sá Carneiro, dois dias antes das eleições, haveria de poupá-lo ao desgosto de ver derrotado o seu projecto estratégico de uma maioria, um governo, um presidente; por enquanto...

A SOCIAL-DEMOCRACIA SEM DOR
Curiosamente o PSD só teve um papel minimamente progressista quando ainda não existia.
Era apenas um embrião improvável no tempo da “ala liberal” do marcelismo... Sá Carneiro, Magalhães Mota, Miller Guerra, Pinto Balsemão, entre outros, ensaiam uma oposição colaborante com a ANP (a União Nacional renomeada, como a PIDE o foi por DGS). E foi num projecto jornalístico liberal que o grupo investiu no último ano do marcelismo, depois de terem saído da Assembleia Nacional desgostados com a má aceitação das medidas que propunham. Em 1970 viram chumbado um projecto de constituição subscrito por Sá Carneiro e Mota Amaral que preconizava “a abolição da censura e a proclamação da liberdade de Imprensa; a eliminação dos entraves administrativos à liberdade de associação; a extinção dos tribunais plenários, o fim das medidas de segurança sem termo certo que podiam equivaler na prática à prisão perpétua; a limitação da prisão preventiva sem culpa formada a um prazo máximo de setenta e duas horas; a inclusão do direito ao trabalho e do direito à emigração na lista dos direitos fundamentais” entre outras estranhezas para o regime fascista.
A “ala liberal” do marcelismo, manteve-se à espera da evolução na continuidade. Era o tempo de, sob a doce e monótona sonoridade das “Conversas em Família”, Marcello Caetano ir brutalizando ainda mais o regime apagando as ténues esperanças que levantara em 1968 nos sectores da burguesia liberalizadora, ansiosa por poder fazer negócios livremente como quaisquer capitalistas que se prezam. A luta operária e, fundamentalmente, a contestação global à guerra colonial, não permitiam veleidades liberalizantes.
A Europa esperava por “nós” embora já tivesse acolhido o Portugal fascista na NATO há mais de vinte anos. O capital precisava de propagandear as suas virtudes e libertar-se dos condicionamentos que limitavam a sua expansão e restringiam os lucros a meia dúzia de famílias que exploravam barbaramente a mão de obra semi-escrava das colónias.
Ao abandonar a Assembleia Nacional fascista, em 1973, com o famoso “é o fim”, Sá Carneiro dava sinal aos seus companheiros liberais que a luta ia continuar lá fora. O Expresso, acabado de nascer, passou a ser o quartel general do grupo como centro da denúncia e da desmoralização do regime face à elite liberal, tendo cumprido um importante papel.
No entanto a visão da “ala liberal” não a leva até ao ponto, nuclear como se viu, de condenar a guerra em África, que era a corda que segurava o regime fascista nela enforcado.
A guerra colonial definia a linha de ruptura fundamental e de demarcação essencial. Qualquer programa social-democrata mínimo teria que colocar o reconhecimento do direito à autodeterminação das colónias no centro da sua política quando a onda contestatária, com centro na universidade, radicalizava a luta contra a guerra colonial, o eixo principal da luta anti fascista desde as greves académicas de 1962 e que iriam culminar nas de 1969, réplica nacional do Maio de 68.
Sá Carneiro e os seus passaram de liberais marcelistas a social-democratas como quem bebe uma imperial com tremoços.Elaboram um programa vagamente social-democrata para conservadores, sem raizes, nem tradição nem ideias consolidadas. Uma alta burguesia com ímpetos modernizadores – diferenciada do fascismo já podre – disposta a aguentar-se nas vagas da revolução, certa de que ela não duraria muito, criou o PPD conservador, social democrata no verniz, populista, caciquista e golpista na essência. Escreveram o programa, em Novembro de 1974, com as banalidades aprendidas nos manuais de ciência política das faculdades de Direito de Lisboa, Porto e Coimbra e depois num pragmatismo avassalador praticaram a política do marcelismo sem Marcello logo que o 25 de Novembro os libertou da pressão social revolucionária que os constrangera ao ponto de proclamarem o socialismo como o pai de todas as coisas boas.
Magalhães Mota, Jorge Miranda, Vilhena de Carvalho, Cunha Leal, entre outros intelectuais de relevo, 37 ao todo, que haviam aderido ao PPD na convicção de estarem a dar corpo a um projecto social-democrata, viram-se obrigados a sair, em protesto contra o pragmatismo e o manobrismo de Sá Carneiro, e a formarem um Agrupamento Parlamentar, a Associação Social Democrata Independente (ASDI).

O 25 DE ABRIL NUNCA EXISTIU?
Os sucessores de “ala liberal” organizados no PPD nunca conseguiram ir além da teoria de que o 25 de Abril não teria sido necessário.E, perante a ostensiva evidência dos factos históricos, tentaram escamotear aquilo mesmo de que vinham a queixar-se: a revolução do 25 deAbril, da qual nem o cravo quiseram resgatar. Sem receio de contradizerem o slogan dos dois Carneiros, de “reencontro com a história”. Para tal elaboraram a subtil explicação de que tudo não passara de uma evolução (na continuidade?...)
Em 1996, Marcello Rebelo de Sousa confessava-se “fascinado pelo papel de Spínola na transição”. A evolução vai passar a ser para o PPD/PSD a bandeira comemorativa do 25 de Abril como se encarregou de teorizar e servir na propaganda do governo de Durão Barroso, o historiador António Costa Pinto.
A evolução na continuidade estava (e está) de tal forma entranhada nas hostes do PPD que em Abril de 1992, Cavaco, depois de a ter negado a Salgueiro Maia, concedeu a Pides uma pensão por “altos serviços prestados à Pátria”.
Francisco Sousa Tavares, que fora deputado do PSD, reagiu na Capital, o jornal de que era director,: «Este escarro em tudo o que representou a Revolução de Abril ressoará muito tempo em todos os que sofreram, em todos os que foram perseguidos pela PIDE, em todos os que prestaram à Pátria o excelso serviço de luta pela liberdade, com sacrifício da sua vida, do bem-estar, da carreira e da sua própria segurança» Com o mesmo sentido de Estado tal distinção já tinha sido concedida por Cavaco em 1987, ao capitão Maltez Soares da Polícia de Choque fascista e, em 1988, a outro agente da PIDE, Fernando Ferreira Alves.
Não podemos, pois, admirar-nos por, no passado 10 de Junho, o PR ter afirmado com tanto vigor querer “sublinhar acima de tudo a raça, o dia da raça, o dia de Portugal, de Camões e das Comunidades”.
Ideologicamente o PPD esteve, desde o primeiro dia, pronto para abraçar de alma e coração o neoliberalismo de Reagan e Thatcher que aí havia de chegar.
Exactamente no auge da investida neoliberal, o PPD crisma-se, sob a orientação de Cavaco: Partido Social Democrata. A social democracia à PSD tem uma génese própria. Ela radica num marcellismo evolutivo e nunca de lá saiu. Não sofre do pecado original da social-democracia europeia. Ela não foi condicionada por movimentos de massas, porque o 25 de Abril nunca existiu ou não passou da evolução na continuidade!:
“Na evolução verificada ao longo dos últimos quinze anos é patente a diferença na génese e na afirmação da social-democracia portuguesa relativamente às suas congéneres europeias.
Estas, de um modo geral, e por terem surgido e se terem afirmado quer no final do Séc. XIX ou no início do século XX, quer em períodos subsequentes à queda de totalitarismos de direita, assumiram a defesa de opções claramente influenciadas por esse condicionalismo envolvente.
Tal condicionalismo foi marcado pelos movimentos de massas e por contradições aparentemente irredutíveis entre classes e grupos sociais, bem como pela influência do marxismo, revestindo muitas vezes cariz anticapitalista, antiliberal e antiparlamentar e postulando uma acentuada intervenção do Estado na vida económica e social”.1

Os legítimos herdeiros da “ala liberal” marcelista puderam enfim retornar às suas raízes . “Reencontram-se com a sua própria história”, como queria Sá Carneiro quando apoiava o ex-responsável pelo Tarrafal angolano a presidente da República em 1980.
A história mais recente do PSD, desde o apoio empenhado ao crime contra a humanidade que é a guerra com que Bush arrasou o Iraque, à fuga de Durão Barroso para Bruxelas, à tomada de posse de Santana Lopes como primeiro ministro por sucessão dinástica sem escrutíneo do próprio PSD, até Meneses capaz de tudo e do seu contrário e agora Manuela Ferreira Leite obrigada a lembrar-se dos pobrezinhos por não ter qualquer saída face a quem faz melhor que ela o que ela própria defende, tem sido a história do pragmatismo, da ganância mais rasteira. Desde as autarquias ao poder central. Mas sempre sob a bandeira libertadora dos EUA. A defesa de Portugal como protectorado dos EUA (Quadratura do Círculo, 13/6/08) foi a mais recente demonstração de fidelidade aos princípios por parte do inspirador e teórico de Manuela Ferreira Leite, senão mesmo de Cavaco, José Pacheco Pereira.

PAS DE DEUX
Depois da AD lançar as bases para as privatizações sustentadas, o Bloco Central formaliza na política o que já vinha sendo desde o 25 de Novembro a afirmação mais ou menos conturbada da preponderância dos grandes interesses financeiros assente nos dois grandes pilares da comunidade, o PS e o ainda PPD.
A consolidação do projecto precisava de uma solução política firme que não se compatibilizava com as hesitações inerentes a uma governação bicéfala: Mário Soares e Mota Pinto.
A história é conhecida, carro novo, rodagem, Cavaco ganha o congresso do PPD para ir explorar a sementeira deixada pelo Bloco Central.
O seu consulado de 10 anos é de arrebenta a bexiga:
a revisão constitucional de 1989 com o PS, abre as portas à privatização e liberalização total da economia e lançamento das bases do casino nacional pela reconstituição (melhor dizendo reforço) do poder das grandes fortunas (vindas quase todas do fascismo) que passam da indústria para a finança, indemnizações chorudas e iníquas aos novos pobres que o 25 de Abril tinha criado: Quina, Champallimaud, Roquete, Espírito Santo, etc. Liquidação das pescas, da rede interior dos caminhos de ferro, lançamento das bases do negócio do ensino superior privado (para encher a mula a professores da dita ruça) com 350 milhões de contos retirados ao ensino público, lançamento do ataque em forma ao SNS, liquidação da marinha mercante e das pescas, da indústria naval, etc.
Os reinadinhos de Durão Barroso e de Santana Lopes, são brincadeira de crianças comparados com a campanha mortífera ensaiada com o Bloco Central e conduzida com mão de ferro por Cavaco Silva, o mesmo que hoje se preocupa com a pobreza. Que bom criar pobres para podermos ajudá-los!
Passaram trinta anos de alternância em que PS e PSD se acusam mutuamente de fazerem coisas bem piores quando estão no governo!...
A grande vitória do PSD coincide exactamente com o seu canto do cisne: quando finalmente a vida lhe dá razão - a “ala liberal” hoje faria boa figura - é quando o PS no governo o torna irrelevante. O PS ganha perdendo os socialistas; o PSD ganha perdendo quase a razão de existir. De qualquer forma esteve certo mais cedo.
Agora é uma questão de saber fazer. E Sócrates sabe fazer melhor.
Vencidas as eleições com um terço dos militantes, Manuela Ferreira Leite vai andar por aí a proferir banalidades com perfume social.
O grande aglutinador do PSD actual só poderia ser Sócrates pois é ele quem detém o poder executivo e cumpre o programa da finança. Quem sabe? Na prática, tem sido com ele que se cumpre o projecto estratégico com que sonhou Sá Carneiro e o próprio Cavaco: uma maioria, um governo, um presidente.
E vamos a ver quais serão as hostes apoiantes de Cavaco em 2011.

NOTA:
1: Programa do PSD aprovado no XVI Congresso, 13-14-15 de Novembro de 1992