sexta-feira, maio 30, 2008

Ricardo Araújo Pereira a Presidente em 2016!

Ricardo Araújo Pereira, in Visão


Agora que terminou o campeonato nacional de futebol, o povo português pode enfim concentrar-se naquilo que verdadeiramente importa: o campeonato europeu de futebol. O facto de a competição se disputar, desta vez, no estrangeiro, não nos isenta do dever de, num acto prenhe de patriotismo, voltarmos a engalanar as nossas janelas com as melhores bandeiras portuguesas que se fabricam em território chinês. Em 2004, o professor Marcelo incentivou os portugueses a desfraldarem bandeiras nacionais por essas vidraças afora, de modo a mostrar a toda a gente o orgulho que nós, enquanto povo, temos em fazer compras nas lojas dos trezentos. Desta vez, se me permitem, gostaria de me adiantar ao professor Marcelo numa proposta de elevado valor patriótico. Saliente-se que o faço por simples amor ao País, e não por querer ser Presidente em 2016. A minha sugestão é a seguinte: além da bandeira nacional, ornamentemos os nossos parapeitos com um busto da República e uma fotografia do Cavaco. Nada contra a bandeira, que é bonita e ondula ao vento como ninguém (melhor do que o busto, por exemplo), mas desbota depressa e tem tendência para esfiapar ao fim de uma semana ou duas.

Já o busto, que é de gesso, resiste melhor à intempérie. Além disso, como a República tem um seio de fora, entusiasma um pouco mais (com todo o respeito para com a esfera armilar, também ela muito sensual, à sua maneira). A fotografia do Presidente, além de completar este ramalhete patriótico, contribui para espantar os pombos, inibindo a passarada de debicar a bandeira e de se empoleirar no busto.

Confesso que ficarei muito triste se o povo português, que aderiu tão maciçamente à proposta do professor Marcelo, não fizer caso da minha só porque é um pouco mais onerosa e, em certa medida, parva. Mas a desilusão será mitigada pelo facto de o País já estar completamente empenhado no Euro, e com razão.

O Público de segunda-feira trazia uma interessante reportagem que juntava especialistas em futebol, como Humberto Coelho ou Bruno Prata, e completos leigos que pouco ou nada sabem sobre bola, como José Diogo Quintela ou Artur Jorge. Afinal de contas, já só faltam 23 dias para o jogo de abertura. Não temos muitos dias para iniciar a nossa preparação, enquanto adeptos. Em meados de Junho, teremos de estar com os níveis de patriotismo no ponto certo para apoiar os jogadores da selecção nacional e suportar com denodo a desilusão que eles vão proporcionar-nos desta vez. Todo o tempo é pouco.

Onde há fumo há Sócrates

Ricardo Araújo Pereira, in Visão

Quando, há quinze dias, foi publicado um documento segundo o qual a ASAE tinha como objectivo efectuar 410 detenções só este ano, confesso que achei a meta muito ambiciosa. Mas agora que José Sócrates e Manuel Pinho foram apanhados a fumar num avião, suponho que já só faltem 408. Mais três ou quatro visitas oficiais e a ASAE pode meter férias em Junho. Sortudos. Além de saberem quais são os restaurantes menos badalhocos, ainda têm férias grandes. Quem me dera um emprego desses.
Como é evidente, a história do cigarro no avião deu polémica. Não era caso para menos: Sócrates foi visitar um dirigente sul-americano meio maluco, que manda fechar as estações de televisão que o criticam e chama Hitler a toda a gente, incluindo a pessoas com quem o primeiro-ministro tem boas relações. Até aqui, tudo bem. Mas põe-se a fumar a bordo? Realmente, é um escândalo. Para resolver o problema, Sócrates anunciou uma medida de grande alcance político: disse que ia deixar de fumar. Chamem-me cínico, mas parece-me que estamos na presença de mais uma promessa não cumprida. Se ele pretende cumprir as promessas por ordem, só deixará de fumar depois de criar os tais 150 mil empregos.
A Tabaqueira bem pode continuar a enrolar cigarros, que não fica sem este cliente. Por outro lado, tendo em conta que, deixando de fumar, Sócrates viverá mais tempo, não sei se a medida será benéfica para o País. Nesse sentido, é possível que não seja uma promessa, mas sim uma ameaça.

Não se pense, contudo, que o caso é desprovido de significado político. Ser apanhado a fumar dentro de um avião foi das atitudes mais populares que José Sócrates já tomou. Conhecendo o povo português, será difícil encontrar alguém que não tenha passado a simpatizar mais com ele.
O homem violou uma lei que ele mesmo inventou. O Sócrates, esse malandro, aprovou uma lei chata para os fumadores, mas o Sócrates, esse companheiro, transgrediu-a logo que pôde. O Sócrates, o nosso Sócrates, mostrou-lhes como é. Passou-lhes a perna. Se eles julgam que nos controlam, estão muito enganados. Bem podem fazer leis a proibir a malta: enquanto nós tivermos uma cortina para fumar à socapa, ninguém nos apanha. O primeiro-ministro José Sócrates é, no fundo, um tuga. Sabe-a toda, o bandido.

Algarve

Letra e Música: Pedro Abrunhosa
in, Silêncio

Já são 5 da manhã
Ainda há tempo esta noite
Para quem começa a viver,
A rádio sussurra "Manhatã"
Em acordes distorcidos
Que nos enchem de prazer

Voam pássaros morcegos
Assustando o pára-brisas
E a paisagem que amanhece.
Queres parar, mas não aqui
Que essa luz parte de ti
E o desejo que acontece.

Da chuva faço mil estradas de vidro
E o meu carro a rolar.
No ar o cheiro do destino,
No chão a pele quente
Do Algarve a acordar

Uuu! Uuu!

Já passamos Castro Verde,
E escreveste na planície
Como se esta fosse um papel,
Dizes: "o mundo não compreende
+ do que está à superfície"
"Ne me quitte pas", pede Brell

Entre néons e Nirvana
Vais mudando de estação
Como se a próxima
Fosse a melhor.
E os sons que a serra esconde
Entre o asfalto e o monte,
São + que a pressa do motor.

Da chuva faço mil estradas de vidro
E o meu carro a rolar.
No ar o cheiro do destino,
No chão a pele quente
Do Algarve a acordar

Refrão

Um dia de silêncio
É um dia de amargura
Igual a outro dia qualquer
Trazes nos olhos o desejo
Onde vejo a aventura
Que ainda vamos viver.

Da chuva faço mil estradas de vidro
E o meu carro a rolar.
No ar o cheiro do destino,
No chão a pele quente
Do Algarve a acordar

Refrão

Moções de Censura

Será que é desta que alguém acerta nos motivos certos para uma moção de censura ao Governo, que o próprio Sócrates, diz haver vários?!
Até agora ainda ninguém acertou...
Está na hora de o próprio PS, dar mais uma lição ao país e apresentar a sua própria moção e fazer a verdadeira homenagem a Humberto Delgado. Já estou a ver o Sócrates na Assembleia da República: "Perante esta tão boa moção de censura apresentada pelo PS, óbviamente demito-me!" :-)



quinta-feira, maio 29, 2008

Sopro do Coração

Letra: Sérgio Godinho
Música: Hélder Gonçalves
in, Lustro, Clã

Sim, o amor é vão
É certo e sabido
Mas então (Porque não)
Porque sopra ao ouvido
O sopro do coração
Se o amor é vão
Mera dor mero gozo
Sorvedouro caprichoso
No sopro do coração
No sopro do coração

Mas nisto o vento sopra doido
E o que foi do
Corpo no turbilhão

Sopra doido
E o que foi do
Corpo alado
Nas asas do turbilhão
Nisto já nem de ar precisas
Só meras brisas
Raras

Corto em dois limão
Chego o ouvido
Ao frescor
Ao barulho
À acidez do mergulho
No sangue do coração
Pulsar em vão
É bem dele É bem isso
E apesar disso eriça a pele
O sopro do coração
O sopro do coração

Mas nisto o vento sopra doido
E o que foi do
Corpo no turbilhão

Sopra doido
E o que foi do
Corpo alado
Nas asas do turbilhão
Nisto já nem de ar precisas
Só meras brisas
Raras

Pensar pequenino


É mesmo pensar pequenino...
Querem extender a linha do Metro do ISMAI à Trofa, em linha única!!!
Motivo? Mais barato...
Entretanto, a população que há anos se viu privada do Comboio, por causa do Metro, é "premiada" com uma solução mais demorada...
Mais barato hoje, para ficar muito mais caro, amanhã! Jorge Coelho e a Mota-Engil, agradecem...
Entretanto, gastam-se milhões num aeroporto e TGV que o país claramente, não precisa...
Quem paga tudo isto? O não utilizador destas obras! Aquele que continua a consumir combustível... Por isso é que o Governo não reduz a carga fiscal! Para realizar projectos megalómanos em vez de servir as populações!

Guilherme Rietsch Monteiro

Metro até à Trofa será em via única
Carla Sofia Luz, in JN

A linha do metro entre o ISMAI (Maia) e a Trofa deverá ser construída em via simples. O JN apurou que o Governo se inclina para essa opção, reservando um canal para que, no futuro, possa ser executada a segunda via. Se tal suceder, fará aumentar o tempo de deslocação até à Paradela, tornando a ligação mais demorada e menos atractiva para a população (que ficou sem comboio há vários anos). A obra será, no entanto, mais barata. Em Outubro de 2007, a Metro lançou um concurso para a elaboração do projecto de execução que contemplava as duas possibilidades.

A vinda do ministro das Obras Públicas, Mário Lino, e da secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, ao Porto serviu para que os governantes reunissem, na passada segunda-feira e ontem, com a nova Comissão Executiva da Metro, liderada por Ricardo Fonseca. Tirando a extensão da Linha Verde à Trofa (que está definido que irá avançar na segunda fase de expansão do projecto do metro), não há ainda definição sobre as ligações que integrarão o concurso público global de construção, de exploração e de manutenção da rede, apesar de, como admitiu o governante Mário Lino, não estarem a ser cumpridos os prazos previstos no memorando de entendimento, celebrado entre a Junta Metropolitana do Porto e o Governo.

Após a inauguração do novo troço da Linha Amarela, em Gaia, Mário Lino reconheceu os atrasos e deixou a ideia de que dificilmente será possível lançar o concurso global no próximo mês. Isso não deverá implicar, contudo, o lançamento da execução do troço entre a Maia e a Trofa e da Linha da Boavista em concursos separados, como determina o memorando de entendimento. O ministro entende que, se essa data também não for respeitada, terá de avaliar-se se vale a pena ou não realizar concursos separados para as referidas linhas.

Reunião na Junta

Neste momento, o novo Conselho de Administração decidiu solicitar um aprofundamento dos estudos sobre a segunda fase de desenvolvimento do projecto, elaborados pelas equipas de Paulo Pinho e de Álvaro Costa, docentes na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

No caso da Linha da Boavista, trabalha-se na definição pormenorizada do traçado e também na elaboração de estudos de tráfego, antes de fechar o dossiê. A expectativa é que, no próximo mês, já seja possível indicar quais as linhas que avançarão no concurso global da segunda fase de expansão da rede e se haverá alguma adiada para outra fase.

Certa apenas é o arranque da construção da linha de Gondomar, entre o Estádio do Dragão e a Venda Nova, em Rio Tinto. A intervenção será adjudicada no próximo mês. Em Junho, será lançado, também, o concurso público para a construção de mais um pequeno troço da Linha Amarela. Chegará, finalmente, à rotunda de Santo Ovídio, que é uma obra complexa de engenharia.

É neste cenário de indefinição que os 14 autarcas reúnem, amanhã, na Junta Metropolitana. O balanço da evolução do projecto do metro um ano depois da assinatura do memorando será o ponto mais quente. Falta saber se, no final do encontro, sairá uma posição conjunta sobre os atrasos na concretização do acordo.

Luso-Qualquer-Coisa



Ser Português
in, LusoQualquerCoisa, Clã
Letra e Música: Hélder Gonçalves

Se pensas que é agora a tua vez, e não vês que és
100 % português, 100% impossível de vencer
o tão dotado, infalível, o mercado estrangeiro
vem de fora - "É verdadeiro!?"
Até o velho 1, 2, 3, 4 passa a ser
one, two, three, four
E depois, não há tempo p'ra aprender
que nem sempre (sem saber) o movimento vem de fora
vem de toda a volta, fura a toda a volta
vem de barco, avião, comboio, imitação
entretanto vai andando, costumado
o povo português, vai perdendo a sua vez

Sê português, encontra a tua vez
Ser português, ser contra a tua vez

E pensas que é agora que a historia vai mudar
o artista Luso-Qualquer Coisa vai dançar
mas mesmo que não caia, vai ser sempre comparado
ainda bem não está parado é um valor acrescentado
Ainda há muito a fazer por esta causa a rever
rever independentemente como pode ser
como pode ser expressa essa nova novidade
de ser português e ter a sua vez

Sê português, encontra a tua vez
Ser português, ser contra a tua vez

Vai haver um sol nascente na Nação, vai haver, vai haver

Se pensas que é agora a tua vez, e não vês que és
100% português, 100% impossível de vencer
o cobiçado infalível, o produto importado
chega e já tem mercado
Até o velho 1, 2, 3, 4 passa a ser, quer ser
one, two, three, four
E depois, ninguém quer saber
que nem sempre o movimento vem de fora

Vai haver um sol nascente na Nação, vai haver, vai haver

Procura de diálogo à esquerda junta socialista Manuel Alegre e Bloco

29.05.2008 - 09h00 São José Almeida, in Público

O deputado do PS Manuel Alegre, o do BE José Soeiro e a professora catedrática e ex-secretária-geral do Graal Isabel Allegro de Magalhães serão oradores da Festa por Abril e Maio que se realiza a 3 de Junho, no Teatro da Trindade, em Lisboa. Às intervenções seguem-se concertos dos Rádio Macau, de António Manuel Ribeiro e o conjunto Terrakota.

Em declarações ao PÚBLICO, Manuel Alegre salientou a importância da sessão, mas afastou que ela significasse o lançamento de um movimento político. "A ideia é juntar o que está disperso, juntar pessoas de esquerda sem alimentar ilusões", afirmou Alegre, concluindo: "É um acto novo que pode trazer confiança e é um sinal de que há outras coisas, outros mundos, que há esquerda".

Este encontro está a ser promovido por um abaixo-assinado que reúne já a subscrição de várias personalidades de esquerda e onde "é tempo de buscar os diálogos abertos e o sentido de responsabilidade democrática que têm de se impor contra o pensamento único, a injustiça e a desigualdade".

O texto é subscrito por individualidades tão diversas como a escritora Ana Luísa Amaral, o professor universitário António Nóvoa, Elísio Estanque e José Manuel Pureza, o ex-dirigente do PCP Carlos Brito, o arqueólogo Cláudio Torres, a responsável da Cuidar o Futuro Fátima Grácio, o líder do BE, Francisco Louçã, o fundador do PS José Neves, o editor Nélson Matos, o músico Francisco Fanhais e o sindicalista Ulisses Garrido. Os subscritores traçam um quadro negro do país: "Novas e gritantes desigualdades, cerca de dois milhões de portugueses em risco de pobreza, aumento do desemprego e da precariedade, deficiências em serviços públicos essenciais, como na saúde e na educação. Os rendimentos dos 20 por cento que têm mais são sete vezes superiores aos dos 20 por cento que têm menos".

E prossegue: "A corrupção e a promiscuidade entre diferentes poderes criaram no país um clima de suspeição que mina a confiança no Estado". Defendendo que, "numa democracia moderna, os direitos políticos são inseparáveis dos direitos sociais", pelo que, "se estes recuam, a democracia fica diminuída".

domingo, maio 25, 2008

5 de Junho - Dia Mundial do Ambiente


A 5 de Junho comemora-se o Dia Mundial do Ambiente. Este ano o slogan é «kick the habit! Low carbon economy!».
Sendo, a “protecção e promoção de um desenvolvimento sustentável”, o 10º princípio orientador do Comércio Justo, é altura de falarmos um pouco daquilo que as alterações do clima estão a fazer ao planeta e na forma como o Comércio Justo contribui, verdadeiramente, para a sustentabilidade do planeta.
Tem-se falado muito nos “biocombustíveis”. Aquilo que, à partida, parecia ser uma boa ideia (adoptar outras formas de combustível, mais ecológicas, sem emissão de GEE (Gases de Efeito de Estufa), vai (a continuar o ritmo), provocar a fome a biliões de pessoas e, consequentemente, aumentar o número de refugiados que deixarão as suas casas, não por causa de uma guerra ou de um qualquer regime totalitário, mas por não terem que comer. Como é que se passa para aqui? Como é que uma boa ideia, vira uma coisa horrenda? Tal acontece por causa da lógica de mercado que temos. De repente, começa-se a falar em “biocombustíveis”, não porque se tenha ganho consciência política, cívica, social ou ambiental, mas porque se viu a hipótese de mais um negócio. O “velho” lucro! Por isso é que o Comércio Justo, ao colocar as pessoas e o ambiente acima do lucro, está a contribuir para que as coisas sejam diferentes. No passado, o Comércio Justo já se recusou a produzir certos alimentos, que estavam a ter um procura elevadíssima, porque o mercado internacional estava a produzir de tal maneira, que os solos já não aguentavam mais produção. Assim, o Comércio Justo, ao invés de pensar no seu próprio lucro, decidiu não o fazer. Já diziam os “índios” que a terra é nossa irmã. E é isso mesmo. A espécie humana não pode usufruir dos recursos como se estes lhes pertencessem de pleno direito.
Por isso, o Comércio Justo não só quer mudar a consciência do consumidor final, apelando a um consumo responsável, mas desde o princípio que tem outro tipo de preocupações que visam, também, a protecção do ambiente e a sustentabilidade do planeta. Tenta construir, diariamente, um mundo melhor.

Guilherme Rietsch Monteiro

sexta-feira, maio 23, 2008

O Analfabeto Político


"Não há pior analfabeto que o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. O analfabeto político é tão burro que se orgulha de o ser e, de peito feito, diz que detesta a política. Não sabe, o imbecil, que da sua ignorância política é que nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, desonesto, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo."

Bertolt Brecht (1898-1956)

quinta-feira, maio 15, 2008

Unidos contra o iogurte

Ricardo Araújo Pereira
in, Visão


Aqui há dois ou três anos, prometeram-me que iam ser criados 150 000 novos empregos e até agora nada, mas a malta da União Europeia está preocupada é com as promessas que os iogurtes não cumprem. São prioridades lá deles

A União Europeia quer pôr ordem no mundo dos lacticínios. Ora até que enfim. Alguém tinha que deitar a mão ao badanal que se vivia nos iogurtes. A partir de agora, os anúncios a iogurte só podem afirmar que o produto faz bem à saúde se as marcas conseguirem prová-lo cientificamente. Significa isto que a publicidade vai passar a ter de dizer a verdade. Não sei se aguento o choque civilizacional. Se vamos impedir os publicitários de mentir, há fortes probabilidades de os intervalos dos programas televisivos passarem a ser preenchidos com dez minutos de silêncio.

Aqui há dois ou três anos, prometeram--me que iam ser criados 150 000 novos empregos e até agora nada, mas a malta da União Europeia está preocupada é com as promessas que os iogurtes não cumprem. São prioridades lá deles. Parece que aquele iogurte que garante criar uma bolha amarela de protecção à volta das pessoas para as proteger das bactérias vai mesmo ter de provar que cria a bolha amarela. Era bem feita que conseguisse. Acredito mais nisso do que nos 150 000 empregos – apesar de nunca ter visto nem a bolha nem os empregos.

Acima de tudo, eu levo a mal que os burocratas de Bruxelas queiram acabar com os anúncios, logo a minha parte favorita da programação. Quem é o génio residente na Bélgica que pretende impedir-me de contemplar a protagonista do anúncio dos Corpos Danone, mas não levanta qualquer objecção a que eu assista às Chiquititas?
É a isto que eles chamam proteger o cidadão?

Bom, eu sei que os anúncios aos chamados alimentos saudáveis andavam a pedi-
-las. Há para ali muita promessa de salvação e melhoramento do meu organismo que nunca me convenceu – e é sobretudo por isso que eu continuo a fazer uma dieta à base de fritos e gorduras, produtos que nunca tentaram persuadir-me de que me fariam viver mais um dia que fosse. Aprecio a honestidade nos víveres, e a entremeada nunca me tentou enganar.

Em todo o caso, sinto algum desconforto pelo facto de a União Europeia considerar que eu preciso de ser defendido das patranhas do bifidus activo. Quem é que eles julgam que o bifidus activo engana? Ele que me tente convencer de que regula os meus intestinos, a ver se eu caio nessa. Seres humanos, alguns dos quais dotados de entendimento, nunca me apanharam com a história do time sharing, e ia agora cair na esparrela do aloé vera, que nem ao reino animal pertence? Tenham juízo.

Nobody expects the portuguese winter

Ricardo Araújo Pereira
in, Visão


As calamidades ajudam-nos a organizar a vida. São pontos de referência. «Quando é que mudámos de casa? Foi depois dos incêndios de 91, porque eu já tinha o Citroën que foi levado pelas cheias de 94, mas ainda não tinha ficado sem a perna esquerda...»

Todos os anos, Portugal é surpreendido duas vezes: uma vez pelo Verão e outra pelo Inverno. Nunca estamos à espera deles. Para o resto do mundo, a natureza é cíclica, monótona e repetitiva. Para nós, é uma caixinha de surpresas. «Olha, lá vem o Verão outra vez. E não é que traz novamente muito calor, este bandido? Se calhar devíamos ter feito uma limpeza às matas.

Ops!, tarde de mais, já está tudo a arder.» No Inverno, a mesma coisa.

«Olha, lá vem o Inverno outra vez. E não é que traz novamente muita chuva, este bandido? Se calhar devíamos ter feito uma limpeza às sarjetas. Ops!, tarde de mais, já está tudo alagado.» E assim sucessivamente.

Nunca cansa. E, no entanto, imagino que os jornalistas usem sempre a mesma notícia. Há dois ou três pormenores que mudam, como a marca dos helicópteros que combatem o fogo ou o número de viaturas que são arrastadas pela enxurrada, mas o resto é igual: «Violento incêndio ali», «Fortes chuvas acolá». Até os adjectivos que qualificam as catástrofes são previsíveis: os incêndios são quase todos violentos e é raro as chuvas serem outra coisa que não fortes. Não há memória de fortes incêndios e violentas chuvas, por exemplo. Mas não é por isso que deixamos de receber as notícias com renovada surpresa. Temos dificuldade em acreditar que ainda não foi desta que a chuva deixou de causar os estragos próprios da chuva. É verdade que, este ano, a chuva deu novamente cabo das estradas e voltou a fazer vítimas, mas pode ser que, para o ano, chova mais civilizadamente. Todos os anos damos uma oportunidade à chuva. E, por um lado, ainda bem.

Não sei se consigo imaginar Portugal sem as calamidades. As calamidades ajudam-nos a organizar a vida. São pontos de referência. «Quando é que mudámos de casa? Foi depois dos incêndios de 91, porque eu já tinha o Citroën que foi levado pelas cheias de 94, mas ainda não tinha ficado sem a perna esquerda, que foi ao ar nos incêndios de 92.» Se as autoridades competentes começam a varrer as matas e a limpar as sarjetas, deixamos de ter a noção da passagem do tempo. Ainda vamos ter de comprar uma agenda. Com as calamidades, é dinheiro que se poupa.

E não só. Há gente cuja vida tem sido salva pelas calamidades. Gente que sobreviveu às cheias de 87 porque ainda estava no hospital a recuperar dos incêndios de 86. Gente que se salvou dos incêndios de 99 porque ainda tinha a casa alagada pelas cheias de 98 e usou a água para combater as chamas.

Enfim, gosto da esfera armilar, na nossa bandeira. Mas uma sarjeta entupida, entre o vermelho e o verde, também não ficava mal.

No meu tempo não era assim

Ricardo Araújo Pereira
in, Visão


O filme da escola Carolina Michaëlis tem essa virtude: mostra a idiotice em toda a sua nudez. Um regalo para os meus olhos, que aprecio muito idiotice – e nudez ainda mais

Quando este texto for publicado, o leitor já viu várias vezes o vídeo em que uma aluna da escola Carolina Michaëlis dá início a um motim porque a professora de Francês teve a ousadia de lhe confiscar o telemóvel. (Se não viu o filme, digo-lhe que impressiona. Sobretudo porque, enquanto a generalidade dos cidadãos é assaltada na rua, a esta senhora o gang apareceu-lhe no local de trabalho.) Também calculo que já terá tido oportunidade de ouvir várias pessoas a garantirem-lhe que isto, no tempo delas, não era assim. Eu nunca perco uma oportunidade de me juntar a um coro de moralistas (que, normalmente, têm uma afinação irrepreensível), e por isso estou aqui para dizer o mesmo: isto, no meu tempo, não era assim.

Era pior. Sobretudo porque não havia telemóveis. Privados da possibilidade de filmar os seus actos de indisciplina, os alunos do meu tempo tinham muito mais dificuldade em tomar consciência da sua própria idiotia. O filme da escola Carolina Michaëlis tem essa virtude: mostra a idiotice em toda a sua nudez. Um regalo para os meus olhos, que aprecio muito idiotice – e nudez ainda mais. Acredito sinceramente que, depois de verem a figura que fizeram, tanto a protagonista do filme como o magnífico cineasta que captou a acção, lançando a todo o passo estupendas indicações de cena, não voltarão a comportar-se assim. No meu tempo, teríamos continuado. Um alarve que toma consciência de ser alarve insiste na alarvidade? Não creio. E se um alarve cair no meio de uma floresta e não estiver lá ninguém para ouvir, faz barulho? Julgo que sim, e confesso que até espero que se aleije com alguma gravidade na queda.

A verdade é que, se há coisa que nunca muda em toda a História da Humanidade é esta: os adolescentes são parvos em todo o lado. Todos os senhores respeitáveis já foram, numa altura ou noutra, adolescentes parvos. Jorge de Sena começa um livro autobiográfico dando conta da «indisciplina ruidosa» que eram as suas aulas de Filosofi a. Que, notem, decorreram no tempo dele. Tempo esse que é bem anterior ao tempo dos que agora dizem que no seu tempo isto não era assim. Está baralhado com isto dos tempos? Siga para o próximo parágrafo, que é já o penúltimo.

É por isso que a culpa do que sucedeu na escola Carolina Michaëlis, a ser de alguém, é da professora. Ser professor de liceu é das actividades mais insolentemente arrogantes a que alguém se pode dedicar: trata-se de pretender ensinar coisas a quem já sabe tudo. Eu, pelo menos, sabia tudo aos 15 anos. A própria Carolina Michaëlis, que era tão boa senhora, sabia com certeza muito mais aos 15 anos do que quando foi ensinar para a Universidade de Coimbra. Toda a gente sabe tudo aos 15 anos. Só com o passar do tempo se vai descobrindo, com razoável sobressalto, que não se sabe quase nada. Mas há duas ou três pessoas que nunca aprendem o seguinte: o tempo delas, apesar de contar com a sua inestimável presença, não é especial em nada. No meu tempo, aliás, toda a gente sabia isto.

Nota: Não conheço bem as recentes propostas do Ministério da Educação e por isso não sei se, actualmente, posso pronunciar-me acerca de um professor sem o avaliar. Aqui fica, então, a minha avaliação da professora de Francês da escola Carolina Michaëlis, baseando-me apenas nas imagens do vídeo:

Resistência: 17

Capacidade de sofrimento: 19

Equilíbrio: 16

Persistência: 18

1% é melhor que nada (muito ligeiramente, mas é)

Ricardo Araújo Pereira
in, Visão


As minhas ideias para explorar o povo português são ainda mais pérfidas do que as de José Sócrates, o que é ao mesmo tempo difícil e assustador

Se uma pessoa não anda com atenção, deixa-se enganar com facilidade. Segundo a comunicação social, o Governo anunciou uma descida de 1% no IVA. Não é verdade. O que o Governo fez foi anunciar um aumento de 1% no IVA. Vamos lá pensar bem nisto: há uns meses, aumentaram o IVA em 2%. Agora, tiraram 1%. O resultado é que, desde que este governo foi eleito, o IVA aumentou 1%. É uma excelente ideia, mas podia ser melhor. Realmente bem pensado seria José Sócrates anunciar, no primeiro mês de governação, um aumento do IVA de 250%. Depois, todos os meses anunciava uma substancial descida de 5%. No fim do mandato ainda teria saldo positivo e, quando a comunicação social fizesse um balanço da legislatura, contabilizaria apenas uma medida impopular contra 48 medidas populares. Daqui se conclui que as minhas ideias para explorar o povo português são ainda mais pérfidas do que as de José Sócrates, o que é ao mesmo tempo difícil e assustador.
Não estou a dizer que a ideia do Governo é má, antes pelo contrário. O facto de ser mais sonsa que a minha só lhe fica bem. O conceito é, aliás, tão bom que não ficaria surpreendido se Sócrates o aplicasse a várias outras áreas. Escolher duas ou três medidas impopulares que foram tomadas até meio do mandato e suavizá-las na metade que sobra até às eleições. Por exemplo, abrir meio centro de saúde em cada concelho. Ou avaliar só metade dos professores, e com teste de consulta. Ou ir tirar meia licenciatura. Bom, isso, ao que dizem, já ele fez, e deu sarilho. Esqueçam a última. Mas as outras têm potencial.

Quanto ao impacto que a medida vai ter na economia, permitam-me que manifeste algum receio. Todos sabemos que o povo fazer poupanças de IVA a menos no bolso, assim de um dia para o outro, pode começar a desbaratar. Eu, que não sou excepção, já estou de olho num iate, que vou adquirir só com o que passo a poupar na mercearia.

O ideal seria que a medida fosse acompanhada de, adivinharam, uma acção de sensibilização. Por princípio, apoio todas as acções de sensibilização. Julgo que uma pessoa sensibilizada é uma pessoa melhor. E, se os cidadãos forem sensibilizados no sentido de amealhar todos os cêntimos que pouparão no IVA que deixam de pagar, quando chegarem à idade da reforma aqueles 10 ou 15 euros vão-lhes saber bem. Hoje parece pouco, mas no futuro, com a inflação, parecerá menos ainda.

Sobre um pequeno pormenor chamado liberdade

Ricardo Araújo Pereira
in, Visão


Para quem aprecia a liberdade, o 25 de Abril foi agradável; para os que não gostam, foi uma oportunidade para fazerem aquela viagem ao Brasil

Eu não gosto de militares. Não gosto da ética militar, nem da brutalidade, nem daquele fanatismo patriótico que é, com muita frequência, trágico.
E também não gosto do povo. Não gosto da irresponsabilidade da multidão, nem daqueles que parecem ser os dois principais factores de interesse da massa popular: aglomerar-se em torno de acidentes rodoviários e insultar as camionetas que levam os arguidos para o tribunal. Tinha um amigo da UDP (notem que é possível fazer amizade com gente da UDP) que gritava com gosto a palavra de ordem do partido: «UDP, sempre ao lado do povo!» E depois acrescentava, mais baixinho: «Mas nunca no meio dele.» O escritor Mário de Carvalho costuma advertir para a necessidade de distinguir o povo do populacho, porque o primeiro é um conceito nobre e até mítico, e o segundo é uma massa infame. O problema é que é difícil encontrar o povo, mas é muito fácil dar de caras com o populacho.

E, no entanto, foram os militares e o povo que fizeram o 25 de Abril. Às vezes dá-se o caso de um casal muito feio ter um filho muito bonito. Parece-me que foi o que aconteceu, embora nem toda a gente esteja convencida da beleza da criança. Para mim, o mais divertido nas comemorações do 25 de Abril têm sido as tentativas para tornar a data «mais consensual». O Dia da Liberdade não reúne consenso, o que me deixa verdadeiramente surpreendido. Percebo que a liberdade não seja consensual, mas do meu ponto de vista ninguém teve razões de queixa: para quem aprecia a liberdade, o 25 de Abril foi agradável; para os que não gostam, foi uma oportunidade para fazerem aquela viagem ao Brasil que tinham andado tanto tempo a adiar. Sempre pensei que a data agradasse a todos.

Na verdade, porém, o 25 de Abril parece agradar a cada vez menos gente. Há autores para quem o Salazarismo não foi um fascismo, e outros para quem o 25 de Abril não foi exactamente uma revolução. O que faz com que, aparentemente, na frase «25 de Abril sempre, fascismo nunca mais», não haja nada que se aproveite. Nem o 25 de Abril foi 25 de Abril, nem o fascismo foi fascismo.

E por isso, amanhã, numa data que, pelos vistos, não chegou a ocorrer, comemora-se a nossa libertação de um opressor que, ao que me dizem agora, nunca existiu. Até parece mais bonito assim, não parece? Parece. Resumindo e concluindo: 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.

A rotatividade é o melhor de todos os sistemas

Ricardo Araújo Pereira
in, Visão


Neste momento, há cinco candidatos a presidente do partido, sendo que entre estes se incluem alguns que todos sabemos não terem a mais pequena hipótese de ganhar umas eleições nacionais, como um Neto da Silva ou, imagine o leitor, um Santana Lopes

Toda a gente concorda que o PSD faz falta ao país. Ninguém sabe bem para quê, mas é consensual que faz falta. Pessoalmente, não tenho nada contra os sociais-democratas. Do ponto de vista ideológico, nada me afasta do PSD.

É muito difícil divergir ideologicamente de um partido que não tem ideologia nenhuma. Recordo que o presidente mais bem sucedido de sempre do PSD ficou conhecido, não pelo programa político que apresentou num congresso, mas por ter lá ido fazer a rodagem de um carro. Só por embirração eu poderia arranjar divergências ideológicas com aquela gente, e é por isso que o facto de PS e PSD continuarem a descobrir matéria para discordar entre si me deixa sempre surpreendido. Deve ser um esforço tremendo.

Bom, nada de exageros. É evidente que há dois ou três traços ideológicos no partido. O PSD tem muito apreço pela iniciativa privada, e talvez isso explique a razão pela qual nenhum dos militantes tenha especial vontade de gerir a coisa pública. O problema é que se torna muito mais fácil termos êxito nas nossas iniciativas privadas se tivermos um companheiro a organizar as coisas públicas. Normalmente, o PSD (e o PS) põe em prática um inteligente sistema de rotatividade em que alguns militantes vão suportando o aborrecimento de olhar pelo bem comum enquanto os outros vão tratar da vida, e depois troca. E assim sucessivamente. Mas, ultimamente, o PS tem gerido a coisa pública de modo agradável para os militantes do PSD que estão a tratar da vida, pelo que nenhum deles está suficientemente aborrecido para precisar de dar uns retoques na coisa pública.

Luís Filipe Menezes, entretanto, foi tão inofensivo para o Governo como Marques Mendes havia sido, mas Marques Mendes foi inofensivo de um modo muito mais respeitável. Como os militantes do PSD apreciam a compostura e a discrição, inquietaram-se. Neste momento, o PSD está de tal forma confuso que se torna difícil de compreender. Os militantes que fizeram excelente oposição a Luís Filipe Menezes não parecem interessados em fazer oposição a José Sócrates. E, na altura em que escrevo, há cinco candidatos a presidente do partido, sendo que entre estes se incluem alguns que todos sabemos não terem a mais pequena hipótese de ganhar umas eleições nacionais, como um Neto da Silva ou, imagine o leitor, um Santana Lopes. Ou o PSD recupera a credibilidade, ou não conseguirá voltar a ser alternativa a José Sócrates, para ir para o Governo fazer mais ou menos o mesmo que ele. É todo o nosso conceito de democracia que está em perigo.

A violação de Sócrates



O aumento dos combustíveis...

...Causa diminuição de fertilidade.

Veja porquê!



Porreiro Pá!



terça-feira, maio 13, 2008

Nada de especial

António Lobo Antunes
in, Visão


Que silêncio tão grande. No interior do silêncio mais silêncio e no interior do mais silêncio um relógio minúsculo a anunciar
– Já é tarde, já é tarde

de forma que nem reparamos nos ponteiros. Para quê se o relógio insiste

– Já é tarde, já é tarde

e nós a olharmos uns para os outros,
inquietos

– O que diz o relógio?

apesar de termos ouvido perfeitamente a sua vozinha apressada, nós de súbito com medo

– Tarde?

e o que significa tarde meu Deus, o que pretende o relógio? Mesmo tapando as orelhas com as mãos a teimosia permanece

– Já é tarde

mesmo não escutando mais nada escutamos o

– Já é tarde

não sabemos se no relógio se no interior da gente, olhamos em volta, olhamos para dentro à procura, achamos episódios antigos, um triciclo, um avô a espantar-se

– O que tu cresceste

um colar de pérolas

(de quem?)

numa tacinha, achamos a nossa vida de hoje e qual o sentido da nossa vida de hoje, o que fazemos com ela, dias atrás de dias, o supermercado, o jantar no restaurante aos domingos, a maçada das crianças às vezes e não era bem isto que nos apetecia, não era bem isto o que tínhamos desejado, falta qualquer coisa, onde é que errámos, o que falhámos, não somos infelizes mas também não temos o que secretamente ansiávamos, os anos vão passando

(– o que tu cresceste)

e não temos o que secretamente ansiávamos, de vez em quando momentos tão vazios, de vez em quando, mesmo no meio dos outros, uma solidão tão grande, um desamparo, uma sensação de queda, esta dificuldade em respirar, porque a mobília sufoca, que vem e desaparece e volta, de vez em quando, sem motivo, vontade de chorar, não lágrimas grandes, não soluços, uma coisa vaga, uma pergunta

– E agora?

sem resposta, caras familiares que se tornam estranhas, se te abraçar continuo sozinho, o que se passa comigo, o que se passa connosco, o relógio prossegue

– Já é tarde

monótono, acusador, implacável, os
objectos quietinhos sem nos ajudarem

– Porque não nos ajudam?

Nada nos ajuda, é tarde, tentamos conversar e é tarde, fazemos amor e é tarde apesar de termos feito amor na esperança que não seja tarde e depois, em lugar do prazer, ou misturado com o prazer, ou mais forte que o prazer, uma espécie de amargura que persiste, se não dilui, persiste, o

– E agora?

sem resposta aumenta, um

– E agora?

imenso, que horror, um

– E agora?

que nos preenche inteiros, se nos pegassem ao colo, fugissem connosco, nos
garantissem

– Não é tarde ainda

e pudéssemos acreditar que não é tarde ainda, tranquilizar-nos afirmando

– Não é tarde ainda

embora cientes que mentimos

– Não é tarde ainda

e tornar a mentira verdade, que outra coisa fizemos para além de tentarmos transformar as mentiras em verdades, não há ninguém mais crédulo que um desesperado

– O que tu cresceste

e em que direcção cresci que não dou por ter crescido, lá está o triciclo, lá está o avô, lá está o colar, os frascos de perfume que cheirávamos às escondidas, os cigarros que fumávamos secretamente no quintal, cresci para onde, cresci como, se nos metermos no carro, se almoçarmos fora, se te pegar na mão melhoramos e contudo

ficamos parados

a teimar no silêncio

(que silêncio tão grande)

– Já é tarde

e não é o relógio, somos nós

– Já é tarde

não noite ainda e contudo tão tarde, aproximamo-nos da janela, os prédios do costume na rua

(esperavas outros prédios, outro
bairro?)

e tão tarde, ganas de apanhar aquele cinzeiro e quebrá-lo no chão, de que serve apanhar aquele cinzeiro e quebrá-lo no chão, no espelho a nossa cara

– O que tu cresceste

diferente, a nossa cara e diferente, porquê diferente, o que é isto nos olhos, o que é isto na boca, a boca a ecoar

– Tarde

tal como os olhos ecoam

– Tarde

todo o corpo a afirmar

– Tarde

e quando o

– Tarde

diminui o

– E agora?

a dilatar-se nele, o

– E agora

imenso, sentamo-nos no sofá com uma revista, o jornal, um livro e as mãos vazias, apertamo-las uma na outra, espreitamos o triciclo, a certeza que se pedalássemos muito depressa não seria tarde, pedalar mais depressa que o relógio, os episódios antigos, aquela parente que nos oferecia rebuçados cujo papel não descolava e se nos prendia aos dentes, tentávamos retirar o papel com a unha e não saía, ainda nos lembramos do gosto do papel na língua, largamos a revista, o jornal, o livro, e ficamos no sofá, tanto tempo passado, com o papel na língua, a mastigá-lo, a mastigá-lo, a mastigá-lo, no fundo da gente nós mesmos a acusarmo-nos

– Porque me tornaste nisto?

o silêncio aumentou tanto que o relógio se calou, uma palma no nosso ombro

– O que foi?

e construímos peça a peça um sorriso
difícil

(custa tanto um sorriso)

que responde por nós

– Não foi nada.

Migalhas

Excerto do texto "Migalhas" de António Lobo Antunes publicado na Visão


Gosto do teu cheiro. Se te apetecer voltar toca a campainha três vezes e carrego naquele botão que abre a porta da rua. E se me avisares com antecedência compro um bolo. Quando não estiveres cá e me sentir sozinho como as migalhas que sobrarem. Vou contar-te um segredo: há alturas em que as migalhas ajudam.

Abraça-me bem

Mafalda Veiga
in, Chão

levantas o teu corpo cansado do chão
afastas esse peso que te esmaga o coração
abres uma janela e perguntas-te quem és
respiras mais fundo e enfrentas o mundo de pé

eu venho de tão longe e procuro há mil anos por ti
estendo a minha mão até te sentir
não sabemos nada do que somos nós
mas sabemos tanto do que muda por não estarmos sós

abraça-me bem

levantas os teus olhos para me olhar assim
procuras cá dentro onde me escondi
e eu tenho medo, confesso, de dar
o mundo onde guardo tudo o que mais vale salvar

tu dizes que não há outra forma de ficarmos perto
não há como saber se o caminho é certo
só pode voar quem arriscar cair
só se pode dar quem arriscar sentir

abraça-me bem

segunda-feira, maio 12, 2008

Sem comentários!

Notícia do DN

"A minha filha mereceu morrer por se apaixonar"

Pai esfaqueou rapariga por falar com soldado


Abdel-Qader Ali não tem dúvidas: o mínimo que a filha merecia era morrer. O crime da rapariga de 17 anos? Ter-se apaixonado por um dos 1500 soldados britânicos estacionados na cidade iraquiana de Baçorá. "Se eu soubesse no que ela se ia transformar, tê-la-ia matado logo que a mãe a deu à luz", garantiu este funcionário público xiita, numa entrevista ao semanário britânico The Observer.

Dois meses depois de a morte de Rand Abdel-Qader - sufocada e esfaqueada pelo pai e irmãos a 16 de Março - ter chocado o mundo, Abdel-Qader Ali continua em liberdade. Foi no jardim da sua casa que o homem de 46 anos recordou como teve "o apoio dos meus amigos que também são pais e sabem que o que ela fez é inaceitável". A própria polícia, que chegou a deter Abdel-Qader umas horas, deu-lhe razão. "Todos sabem que os crimes de honra são impossíveis de evitar", disse o iraquiano, segundo o qual "os agentes ficaram ao meu lado o tempo todo a dar-me os parabéns pelo que fizera".

Rand Abdel-Qasser terá conhecido Paul, um militar britânico de 22 anos, numa acção de caridade na cidade do Sul do Iraque, em que ambos participavam como voluntários. Como qualquer adolescente apaixonada, apressou-se a contar tudo à melhor amiga Zeinab. "Ela gostava de falar do seu cabelo louro e olhos cor de mel, da sua pele branca e da sua maneira suave de falar", recordou a rapariga de 19 anos em declarações ao Daily Mail. Para as amigas, o britânico era "muito diferente dos homens de cá, rudes e analfabetos".

Estudante de Inglês na Universidade de Baçorá, Rand tinha a vantagem de poder falar com Paul sem intermediários. E rapidamente começou a usar todos os argumentos possíveis para prolongar o seu trabalho de voluntariado, que lhe dava a oportunidade de estar com ele.

Uma paixão que podia até nem ser retribuída. De facto, Rand e Paul não se terão encontrado mais de meia dúzia de vezes e sempre em locais públicos. "Ela nunca fez nada para além de falar com ele", garantiu Zeinab. Mesmo assim, esta não se cansou de alertar a amiga para os perigos desta amizade: "Disse-lhe vezes sem conta que ela era muçulmana e que a sua família nunca aceitaria que casasse com um soldado britânico cristão." Como confidente de Rand, era Zeinab quem guardava os presentes que este lhe oferecia, como um leão em peluche para o qual diz agora ser "difícil olhar".

E foi o que aconteceu. Quando o pai de Rand soube que a filha se andava a encontrar com o militar, perdeu a cabeça. "Entrou em casa com os olhos raiados de sangue e a tremer", recordou ao The Observer a mãe da rapariga. Quando viu o marido a sufocar a filha com o pé, Leila Hussein chamou os dois filhos, de 21 e 23 anos, para ajudarem a irmã. Mas quando o pai lhes disse o motivo da agressão estes ainda o ajudaram.

Considerada "impura", Rand não teve direito a funeral e os tios cuspiram sobre o seu corpo quando este foi lançado a uma vala. Incapaz de viver sob o mesmo tecto que o homem que matou a sua filha, Leila pediu o divórcio e está, desde então, escondida para evitar a vingança do marido. "Fui espancada e fiquei com o braço partido", disse a mulher, que agora trabalha para uma organização que denuncia os crimes de honra.

Em 2007, 47 mulheres foram mortas por terem violado "a honra" da família só em Baçorá e desde Janeiro deste ano a Comissão de Segurança da cidade garante que o número já vai em 36. Segundo a ONU, pelo menos cinco mil mulheres são anualmente vítimas de crimes de honra em todo o mundo, e, apesar de a maioria decorrer em países islâmicos, estão a acontecer cada vez mais a muçulmanas que vivem no Ocidente.

Apesar da presença britânica, Baçorá é em parte controlada pelas milícias, que definem regras estritas de comportamento. São elas quem impõem os códigos de vestuário, as práticas religiosas e determinam que a prostituição e a homossexualidade são puníveis com a morte.

sexta-feira, maio 09, 2008

Seu pensamento

A uma hora dessas
por onde estará seu pensamento
Terá os pés na terra
ou vento no cabelo?

A uma hora dessas
por onde andará seu pensamento
Dará voltas na Terra
ou no estacionamento?

Onde longe Londres Lisboa
ou na minha cama?

A uma hora dessas
por onde vagará seu pensamento
Terá os pés na areia
em pleno apartamento?

A uma hora dessas
por onde passará seu pensamento
Por dentro da minha saia
ou pelo firmamento?

Onde longe Leme Luanda
ou na minha cama?

Pelo tempo que durar

Nada vai permanecer
no estado em que está
E eu só penso em ver você
Eu só quero te encontrar

Geleiras vão derreter
Estrelas vão se apagar
E eu pensando em ter você
pelo tempo que durar

Coisas a se transformar
para desaparecer
E eu pensando em passar
a vida a te transcorrer

E eu pensando em passar
pela vida com você

O outro

Texto: Mário de Sá Carneiro
Música: Adriana Calacanhoto

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o outro.

quinta-feira, maio 08, 2008

Canção por acaso

Adriana Calcanhoto

Sem ordem
Sem harmonia
Sem belo
Sem passado
Sem arte
Sem artéria
Sem matéria
Sem artista
Sem voz
Sem formato
Sem escalas
Sem achados
Sem sol
Sem Tom
Sem Melodia
Sem tempo sem contratempo
Sem mito
Sem rito
Sem ritmo
Sem teoria

Uma canção por acaso
Uma música sem som
Uma canção por acaso
Uma sem som

Calor

Adriana Calcanhoto

Tarde turquesa
Quarenta graus
Talvez porque você não esteja
Tudo lateja

Tarde sem nuvem
Cinquenta graus
Talvez por sua ausência
tudo derreta

Noite sem ninguém
Nada se mexe
Eu sonho nosso amor a sério
e você em outro hemisfério

Enquanto tudo derrete
enquanto tudo derrete
enquanto tudo parece
derreter

Âmbar

Adriana Calcanhoto

Tá tudo aceso em mim
Tá tudo assim, tão claro
Tá tudo brilhando em mim
Tudo ligado
como se eu fosse um morro iluminado
por um âmbar elétrico
que vazasse nos prédios
e banhasse a Lagoa
até São Conrado
e ganhasse as Canoas
aqui do outro lado
Tudo plugado, tudo me ardendo
Tá tudo assim queimando em mim
como salva de fogos
Desde que sim, eu vim morar nos seus olhos

Alegre

Adriana Calcanhoto

Hoje tem uma alegria em mim
Hoje eu acordei alegre
Nem nada mudou tanto assim
mas qualquer coisa em mim
urge
arde em febre
Hoje serei enfim
quem você quiser de mim, me leve
que eu hoje vou dizer: sim
ao que quer que me espere
me espere

Onde andarás

Letra: Caetano Veloso
Música: Ferreira Gullar
in Maré, Adriana Calcanhoto

Onde andarás nesta tarde vazia
Tão clara e sem fim
Enquanto o mar bate azul em Ipanema
Em que bar, em que cinema
Te esqueces de mim?
Enquanto o mar bate azul em Ipanema
Em que bar, em que cinema
Te esqueces…
Eu sei
Meu endereço apagaste do teu coração
A cigarra do apartamento
O chão de cimento
Existem em vão
Não serve pra nada a escada, o elevador
Já não serve pra nada a janela
A cortina amarela
Perdi meu amor
E é por isso que eu saio pra rua
Sem saber pra quê
Na esperança talvez de que o acaso
Por mero descaso
Me leve a você
Na esperança talvez de que o acaso
Por mero descaso
Me leve…
eu sei