sexta-feira, outubro 30, 2009

Sobreviver à doença, escapar da cura



Primeiro, houve o pânico provocado pela gripe A. Agora, há o pânico provocado pela vacina contra a gripe A. A doença gera pânico; a cura gera ainda mais

in: Visão


Já se demitiram ministros por causa de anedotas relacionadas com a saúde pública portuguesa, mas isso não foi suficiente para que a saúde pública portuguesa deixasse de parecer uma boa anedota. Talvez seja útil fazer um pequeno resumo das últimas e intrigantes ocorrências no âmbito da nossa sempre divertida saúde. Primeiro, houve o pânico provocado pela gripe A. Agora, há o pânico provocado pela vacina contra a gripe A. A doença gera pânico; a cura gera ainda mais. O medo é tanto que eu tomaria uns calmantes, se não tivesse medo de os tomar. Bem disse o filósofo José Gil que os portugueses tinham medo de existir: entre deixar de existir, por causa da gripe, ou continuar a existir, graças à vacina, vacilamos. Na dúvida, receamos as duas. Não é fácil ser doente - e deve ser ainda mais difícil ser médico, que tem de confortar o paciente quando contrai a doença e confortá-lo mais ainda enquanto lhe administra a cura.

Visto de fora, desde que se descobriu o novo vírus da gripe os portugueses passaram a correr para um lado gritando "Fujam, vem aí a doença!", e depois passaram a correr para o outro gritando "Fujam, vem aí a cura!" A fugir, estamos sempre. Só muda o perseguidor.

Qual é, afinal, o mais grave? O vírus da gripe ou o vírus da vacina? Até ver, são ambos relativamente inofensivos. Um é curado por profissionais de saúde, o outro é transmitido por profissionais de saúde. A gripe A é mais fraca do que a gripe vulgar e a vacina provoca os mesmos efeitos secundários que qualquer outra vacina. Nem a gripe nem a vacina são particularmente perigosas para o homem. No entanto, ambos os vírus são letais para o meio ambiente. Temo que não haja árvores suficientes para abastecer os jornais do papel necessário para todas as notícias, publicadas e por publicar, sobre os malefícios da gripe A e os ainda maiores malefícios da vacina da gripe A. Não admira: a toda a hora surgem novas informações. Receava-se que houvesse vacinas a menos. Agora, uma vez que ninguém as quer tomar, receia-se que sobejem. Também causa dano. Suspirou-se por uma vacina. Agora, suspira-se por uma vacina contra a vacina. A ciência que resolva este problema. Já começamos a habituar-nos ao pânico da vacina. Precisamos urgentemente de outra coisa relacionada com a gripe A para recear.

terça-feira, outubro 27, 2009

Uma aventura em Angra do Heroísmo - Parte 6



Paços do Concelho




Angra teve três casas da Câmara. A primeira, com uma pequena praça defronte. Depois, o comércio das Índias e a importância da cidade levaram à construção de uma praça maior e de edifícios sucessivamente mais dignos até ao actual, construído já no séc. XIX e inspirado nos antigos Paços do Concelho do Porto. Possui um dos maiores e mais dignos salões nobres do País.





segunda-feira, outubro 26, 2009

Uma aventura em Angra do Heroísmo - Parte 5



Praça Velha




Praça é um conceito "repescado" da Antiguidade Clássica, quase sem uso durante a Idade Média.





Esta é, talvez, a primeira praça portuguesa desenhada para servir de ponto de encontro de dois arruamentos, de acordo com os ideais urbanos do Renascimento.






domingo, outubro 25, 2009

Queixa das almas jovens censuradas

Letra: Natália Correia
Música: José Mário Branco
in: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

Uma aventura em Angra do Heroísmo - Parte 4



Rua Direita




Primeira rua principal de Angra, conduzia "direitamente" do cais à praça e à casa do Capitão Donatário.





Marca a construção da primeira cidade moderna e aberta ao mar por um povo até aí habituado a outros modelos urbanos.

sexta-feira, outubro 23, 2009

E o Porto aqui tão perto


Três Cantos: José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto no Campo Pequeno [texto + fotos]




Quando soube deste concerto, que também se irá realizar no Coliseu do Porto, ainda era Agosto. Corri de imediato ao Coliseu e comprei bilhete. Na altura ainda só havia uma data, 31 de Outubro. A procura forçou a mais um espectáculo, quer em Lisboa, quer no Porto.
Infelizmente, quis o destino que tivesse de vir trabalhar para Angra do Heroísmo, e tive que vender o bilhete.
Fico muito contente por saber que vai haver um DVD, e de algum forma não ter perdido tudo!

Guardo ainda a consulação de a 25 de Setembro ter estado no Coliseu do Porto, no maior comício que o Bloco de Esquerda já realizou na cidade do Porto!

Guilherme Rietsch Monteiro


Texto: Lia Pereira
Fotos: Rita Carmo/Espanta Espíritos
in Blitz


Duas horas de paixão e partilha na primeira noite do espectáculo Três Cantos. Só canções, foram três dezenas... Saiba como correu o concerto.

Muita coisa mudou desde a primeira vez que José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto pisaram o mesmo palco - foi em 1974, um mês após a Revolução de Abril, e os concertos onde também José Afonso e Adriano Correia de Oliveira marcavam presença aconteciam em recintos como o actual Pavilhão Carlos Lopes, não numa reabilitada praça de touros com centro comercial nas imediações. Outras coisas, porém, mantêm-se inalteradas e, a adivinhar pela idade média daqueles que ontem encheram o Campo Pequeno, em Lisboa, muitos admiradores nunca abandonaram este trio de sobredotados, cujas carreiras se desenvolveram de forma plenamente autónoma, mas cuja raiz musical e ideológica continua suficientemente próxima para justificar noites especiais como a de ontem.

À entrada da sala, enquanto as câmaras registavam imagens e depoimentos para o DVD que há-de sair deste espectáculo, ouvimos a um espectador que acabava de se cruzar com amigos da sua geração: "Isto hoje é o Parque Jurássico!". E de facto o público maduro era mais numeroso do que o jovem, nas bancadas e na plateia do Campo Pequeno. Apesar de ruidosas queixas acerca do som, por parte dos que ficaram mais longe do palco, a rendição ao conceito Três Cantos seria total. Ao longo das duas horas de concerto - sem grandes pausas, se exceptuarmos as saídas previstas de alguns dos protagonistas da noite em certas canções - o povo esteve sempre do lado de José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto, que souberam retribuir com uma prestação generosa e inspirada.










Foi por volta das 21h45 que os cerca de 20 músicos que pisaram o palco do Campo Pequeno começaram a ocupar os seus lugares; para trás ficavam cinco meses de preparação, pela frente a equipa encarava a responsabilidade de estrear em grande um espectáculo que, nos próximos dias, repete nesta mesma sala e no Coliseu do Porto. "Guerra e Paz", de Sérgio Godinho, foi o primeiro passo numa longa e prazeirosa viagem; sentados de guitarra ao colo, os três homens da noite dividiram democraticamente a voz, num momento pausado, quase de aquecimento. À terceira música, contudo, já os ânimos se exaltavam com a chegada de "Como um Sonho Acordado", de Fausto, reconhecido aos primeiros segundos por uma plateia em êxtase. Apesar da grande quantidade de músicos em palco, esta e outras canções puderam respirar e expor o seu esqueleto, raras vezes afogado por instrumentação ou arranjos excessivos. Com bateria ribombante e o contraponto dos coros femininos, "Como Um Sonho Acordado" foi, a par de "O Primeiro Dia", "Ser Solidário", "Que Força É Essa" ou "Inquietação", um dos momentos que mais emocionaram o público.

Teria sido fácil transformar o conceito Três Cantos numa bajulação colectiva, suportada pelo estatuto dos três artistas em palco. Mas José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto souberam evitar a armadilha e foram especialmente económicos na chamada "troca de galhardetes"; aliás, só após o terceiro tema, "A Barca dos Amantes", José Mário Branco se dirigiu ao público para afiançar, com comoção e simplicidade: "Estou tão contente!". O entusiasmo era partilhado pelos muitos espectadores que, durante canções como "Eis Aqui o Agiota" ("Cada vez mais actual", apresentou Fausto), o clássico de Godinho "Casimiro (Cuidado com as Imitações)" ou "Mudam-se os Tempos Mudam-se As Vontades" não resistiam a entoar as letras, bater palmas ou marcar, alegremente, o ritmo dos temas com as mãos nos joelhos.












Tendo dividido com parcimónia o tempo de palco (cada músico teve direito a cantar sozinho, em dupla e em trio), os nossos heróis brilharam ainda quando, ao invés de uma "big band" atrás de si contaram apenas com a sua voz, guitarra e alma. Dedilhadas e contemplativas, "Não Canto Porque Sonho", de Fausto, ou "O Charlatão" de Sérgio Godinho foram dois exemplos desse "menos é mais" que tão bem resultou ontem à noite.

Tal como prometido, entre as 30 músicas do alinhamento houve espaço para um inédito - a frenética "Faz Parte (ou o Retorno das Audácias)" - e para uma versão de José Afonso, "De Não Saber o que se Espera". A primeira despedida chegou com "Maré Alta" e mereceu aos três bravos três cravos vermelhos entregues em mão. Mas foi no segundo encore que a euforia se instalou definitivamente e o Campo Pequeno em peso se levantou para participar na celebração em curso. Em palco, mais de 20 músicos munidos de bombos, baquetas e um adufe (ao colo de Sérgio Godinho) serviram um final catártico para o concerto, elevando "Na Ponta do Cabo", de Fausto, a ponto de exclamação de uma noite com poucas reticências. Mais poderoso do que mil efeitos especiais, o tema de Crónicas da Terra Ardente foi o remate perfeito para um concerto onde, mais do que a personalidade e os feitos individuais de cada músico, se celebrou o cancioneiro colectivo de José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto, bem como uma certa ideia de música portuguesa - tradicional mas com os olhos postos no futuro, combativa, quando não interventiva, e sempre fiel a si mesma.






quinta-feira, outubro 22, 2009

Portugal, rabejador da Europa



Será sensato que um país com o tamanho do nosso se aventure para fora da cauda da Europa? É importante não esquecer que é com a cauda que se enxotam as moscas. E que a cauda consegue enxotar tudo, menos o que está na cauda

in: Visão


Quando eu nasci, Portugal estava na cauda da Europa. Veio o PREC, e Portugal continuou na cauda da Europa. Depois chegou alguma estabilidade, e aí Portugal continuou na cauda da Europa. Entrámos na CEE, e permanecemos na cauda da Europa. Vieram os governos de Cavaco Silva, mais os milhões comunitários, e - então sim - Portugal continuou na cauda da Europa. Nisto, o PS voltou ao poder. E Portugal manteve-se na cauda da Europa. A seguir, o PSD regressou ao governo. E Portugal na cauda da Europa. Depois, mais governos do PS até hoje. E Portugal firme na cauda da Europa. Onde fica Portugal? Na cauda da Europa. Não se sabe que bicho é a Europa, mas lá que tem uma cauda é garantido. E não há dúvidas nenhumas de que Portugal está nela sozinho.

Nem sempre foi assim. No princípio, Portugal estava na cauda da Europa acompanhado. Nos anos 70, Espanha estava taco a taco connosco na cauda. Ora valia mais o escudo, ora valia mais a peseta. Primeiro, nós íamos ao El Corte Inglés fazer compras baratas. Entretanto, o El Corte Inglés veio para cá fazer vendas caras. De repente, os espanhóis meteram uma abaixo e começaram a galgar pela Europa acima - e nós ficámos na cauda com a Grécia. Nisto, os gregos também amarinharam. Abriu-se a União Europeia a países que estavam igualmente na cauda, como a Irlanda, e todos foram abandonando a cauda a caminho, suponho, do lombo da Europa.

Como se explica este fenómeno da nossa longa estada na cauda da Europa? Creio que só pode ser uma opção. E, sendo uma opção, tem de ser estratégica. É muito raro uma opção não ser estratégica. Já tivemos vários governos e regimes, e todos, sem excepção, optaram por nos manter na cauda. Deve haver um plano. Outros países, que não têm coragem de permanecer na cauda, foram avançando para a garupa. É lá com eles. Mais fica de cauda para nós.

A verdade é que alguém tem de ficar na cauda. E, no que diz respeito a caudas de continentes, a estar nalguma que seja na da Europa. Temos a experiência, o talento e, pelos vistos, a vocação para estar na cauda. Seria uma pena desperdiçar décadas e décadas de prática. Será sensato que um país com o tamanho do nosso se aventure para fora da cauda da Europa? É importante não esquecer que é com a cauda que se enxotam as moscas. E que a cauda consegue enxotar tudo, menos o que está na cauda. Os pessimistas dirão: temos o último lugar garantido. Os optimistas hão-de notar que, ao menos, é um lugar. E que está garantido. Já não é nada mau.

domingo, outubro 18, 2009

Uma aventura em Angra do Heroísmo - Parte 3



Estaleiro Naval




Vindos de Malaca, Goa, Cartagena, Havana ou Porto Rico, entre outros, os navios das Índias passavam por Angra a caminho de Lisboa, Cadiz ou Sevilha.





Cidade portuária, Angra tinha instalado no areal, cujos restos ainda existem, o seu estaleiro de construção e reparação naval.

terça-feira, outubro 13, 2009

Uma aventura em Angra do Heroísmo - Parte 2



Igreja da Misericórdia



Neste lugar fundou-se o primeiro hospital dos Açores, baseado em compromisso da Confraria do Santo Espírito, datada de 15 de Março de 1492.







Um dos fundadores foi João Vaz Corte-Real, Capitão de Angra e descobridor da Terra Nova.






A Misericórdia, que veio depois, associando-se à Confraria já existente, mandou construir o actual templo (séc. XVIII), onde se destacam, frente a frente, os altares do Espírito Santo, à esquerda, e do Santo Cristo das Misericórdias, à direita.
No séc. XIX mudou-se o hospital para o Convento das Concepcionistas, à Guarita.

sábado, outubro 10, 2009

Uma aventura em Angra do Heroísmo - Parte 1


Outeiro da Memória
A D. Pedro IV


Neste outeiro mandou construir João Vaz Corte-Real a primeira fortaleza dos Açores (cerca de 1474).
Longe do mar, espelha a ideia ainda medieval, continental e mediterrânica de uma defesa em acrópoloe.
A pirâmide eleva-se, desde meados do séc. XIX, "à memória" da presença do rei D. Pedro IV na ilha Terceira, durante a preparação do desembarque das tropas constitucionais no Continente.