quinta-feira, março 29, 2012

Vamos andando (só temo pelos outros)




Vamos levando, vamos aprendendo.
Vamos passando os dias sendo.
Vamos registando e esquecendo:
vamos perdoando, vamos crescendo.

Vamo-nos abraçando, vamos ficando
ternos irascíveis. Eu bem percebo.
Queremos o mesmo - não desfazendo.
Levamos avanço, ainda é cedo.

Só temo pelos que os outros vão sendo.

Vamos decifrando um pouco de tudo
do de tudo um pouco que nos vão dizendo,
porque cremos que todos temos bom fundo
e é isso que ainda nos vai entretendo.

Assumimos: estamos sempre um pouco àquem;
e, para conservarmos nossa sanidade,
constantemente incutimos a culpa a alguém…
Não vejo nisso motivos pra tanto alarde.

Só temo pelo que os outros vão sendo.

Somos patéticos quando simpáticos,
somos estúpidos e problemáticos.
Acabamos casmurros, e o que é fantástico
é que complicando tudo às vezes somos práticos.

Vamos andando, deixemo-nos ir.
Há futuro enquanto conseguirmos rir;
e tudo o que hoje fizermos de errado
incontornavelmente torna-se passado.

Só temo pelo que os outros vão ver.
Só temo pelo que os outros vão ter.

Europa




Ahhhhhh Europa, eu também quero uma oportunidade

Grito Sagrado



quarta-feira, março 28, 2012

Alegremente Cantando e Rindo Vamos




Vamos cantando e rindo, alegremente.
Constatamos: borramos o mindinho.
É insignificante o preço para que nos aprovem o caminho.

Vamos cantando e rindo. Alegremente
deixando que a merda nos chegue ao umbigo.
Não há perigo, não há perigo — estão aqui muitos comigo.

Vamos cantando e rindo, e eu acho isso lindo.
Vamos cantando e rindo, e eu acho isso tão lindo.

Vamos cantando e rindo. Alegremente
deixando que a merda nos chegue aos ouvidos.
E é impressionante… Como é que eu ainda respiro?

Vamos cantando e rindo. Alegremente
enterrados na merda que nos impingem.
É o nosso destino. Não se contraria o destino…

Vamos cantando e rindo, e eu acho isso lindo.
Vamos cantando e rindo, e eu acho isso tão lindo.

E ainda cantamos. E ainda cá estamos.
E ainda servimos por mais alguns anos.

E ainda cantamos. E ainda nos rimos.
E ainda ficamos por mais alguns anos.

segunda-feira, março 26, 2012

Anda comigo ver os aviões




Anda comigo ver os aviões levantar voo
A rasgar as nuvens
Rasgar o céu

Anda comigo ao porto de Leixões ver os navios
a levantar ferro
a rasgar o mar

Um dia eu ganho a lotaria
Ou faço uma magia
Mas que eu eu morra aqui
Mulher tu sabes o quanto eu te amo,
O quanto eu gosto de ti
e que eu morra aqui
Se um dia eu não te levo à América
Nem que eu leve a América até ti

Anda comigo ver os automóveis à Avenida
A rasgar as curvas
A queimar pneus

Um dia vamos ver os foguetões levantar voo
A rasgar as nuvens
A rasgar o céu...

Um dia eu ganho o totobola
Ou pego na pistola
Mas que eu morra aqui
Mulher tu sabes o quanto eu te amo
O quanto eu gosto de ti
E que eu morra aqui
Se um dia eu não te levo à Lua
Nem que eu roube a Lua
Só para ti


Um dia eu ganho o totobola
Ou pego na pistola
Mas que eu morra aqui
Mulher tu sabes o quanto eu te amo
O quanto eu gosto de ti
E que eu morra aqui
Se um dia eu não te levo à América
Nem que eu leve a América até ti

sexta-feira, março 16, 2012

Índios na Reserva




A poesia não se perde
ela apenas se converte
nestas paredes tão fechadas
que nada têm p'ra me dizer.
O que os muros sociais
têm guardado para contar
ninguém quer encarar.

Somos índios na reserva que visitas
obrigado pelo donativo... não aceito!

Mas a reserva não é mãe
e no meu gueto o medo abala
todos aqueles que ainda
se recusaram a desistir
de procurar na nossa sombra
uma razão para viver
com um pouco mais de dignidade.

Somos índios na reserva que visitas
obrigado pelo donativo... não aceito!

Porque aprendemos tão cedo
a escutar as histórias
como único socorro
promissor que nos resta.

quinta-feira, março 15, 2012

Zorro



João Monge e Jorge Prendas

Eu quero marcar o “Z” dentro do teu decote
Ser o teu Zorro de espada e capote
Para te salvar à beirinha do fim
Depois, num volte-face, vestir os calções
Acreditar de novo nos papões
E adormecer contigo ao pé de mim

Eu quero ser para ti a camisola 10
Ter o Porto todo nos meus pés
Marcar um ponto na tua atenção
Se assim, faltar a festa na tua bancada
Eu faço a minha última jogada
E marco um golo com a minha mão (mesmo à Benfica... ;-))

Eu quero passar contigo de braço dado
E a rua toda de olho arregalado
A perguntar: como é que conseguiu?
Eu puxo da humildade da minha pessoa
Digo da forma que menos magoa:
Foi fácil! Ela é que pediu.

Canção do bandido (o Zorro)


João Monge / João Gil


Quando me chamas bandido
Como se eu fosse um caso perdido
Que se dá sempre o golpe perfeito no teu coração
Já sei que vai haver assalto
Vou começar no teu salto alto
E acabar prisioneiro na cova-do-ladrão

Quando me chamas canalha
Por dá cá aquela palha
É o teu jeito matreiro de lançar as redes
Dizes asneiras baixinho
Para poupar o pobre do vizinho
De saber de nós dois pelas paredes

Quando me chamas pelo nome
Até fico com frio e com fome
Como aquele menino da rua que anda perdido
Então peço a todos os santos
Que devolvam os meus encantos
E que tu me voltes a chamar apenas bandido
 

Eu quero marcar o “Z” dentro do teu decote
Ser o teu Zorro de espada e capote
Para te salvar à beirinha do fim
Depois, num volte-face, vestir os calções
Acreditar de novo nos papões
E adormecer contigo ao pé de mim

Eu quero ser para ti a camisola 10
Ter o Porto todo nos meus pés
Marcar um ponto na tua atenção
Se assim, faltar a festa na tua bancada
Eu faço a minha última jogada
E marco um golo com a minha mão (mesmo à Benfica... ;-))

Eu quero passar contigo de braço dado
E a rua toda de olho arregalado
A perguntar: como é que conseguiu?
Eu puxo da humildade da minha pessoa
Digo da forma que menos magoa:
Foi fácil! Ela é que pediu.

segunda-feira, março 12, 2012

Canção da Fome




Letra: Georg Weerth*
Música: João Gil

* - in "Rosa do Mundo 2001 -- Poemas para o Futuro" (Assírio e Alvim)

Prezado senhor e rei,
Sabes a notícia grada?
Segunda comemos pouco,
Terça não comemos nada.
Quarta sofremos miséria,
E quinta passámos fome;
Na sexta quase nos fomos,
Não se aguenta quem não come!
Por isso vê se no sábado
Mandas cozer o pãozinho,
Senão no domingo, ó rei,
Vamos comer-te inteirinho.

quinta-feira, março 08, 2012

Amor é fogo que arde sem se ver


Luís de Camões / João Gil



Amor é fogo que arde sem ser ver.
É ferida que dói, e não se sente:
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

segunda-feira, março 05, 2012

Engrenagem




Do berço à cova sem parar
caminho fora sempre a andar
cá vou levando a minha vida

Um minutinho a descansar
a vida inteira a trabalhar
suor sem conta nem medida

Pra ter um companheiro nesta viagem
vou meter um pauzinho na engrenagem

Do berço à cova sem vagar
enxada à terra barco ao mar
a mão e a máquina a compasso

Os bois no campo a lidar
E o serventio a trabalhar
todos com o mesmo cangaço

Pra ter um companheiro nesta viagem
vou meter um pauzinho na engrenagem

Do berço à cova sol a sol
por pão, amor e futebol
dor no sapato e dor na espinha

Canta-se o fado em lá bemol
morde a sardinha no anzol
E o tubarão segura a linha

Pra ter um companheiro nesta viagem
vou meter um pauzinho na engrenagem

Do berço à cova sem parar
caminho fora sempre a andar
cá vou levando a minha vida

Um minutinho a descansar
a vida inteira a trabalhar
suor sem conta nem medida

Pra ter um companheiro nesta viagem
vou meter um pauzinho na engrenagem

sexta-feira, março 02, 2012

Ó meu quero pai natal




Letra: João Monge
Música: João Gil

Pai, ensina-me a pôr as letras a eito
Que eu quero escrever uma carta importante
A pedir umas coisas que davam jeito
E uma ou outra delirante

Pai, “Alice” é com cê ou com dois ésses?
E “pião” leva uma cobrinha no á?
Não te rias, dá-me ajuda, não comeces
Mais sério que isto não há

Ó meu querido Pai Natal
Vou-te dizer
As coisas que nunca disse
Não sou mau e nem sou duro de roer
Fala de mim à Alice
E se ela mandar dizer
Que não, que não
Não me deixes amuado
Tira da saca o mais bonito pião
E está tudo perdoado

Pai, achas que estou pedindo a mais?
O das barbas tem muito a quem atender
Se eu fiquei em branco nos outros natais
Ainda lhe peço uma flober

Já lá vem de porta em porta o carteiro
À recolha das cartinhas com pedidos
O meu é do mais sincero e verdadeiro
Haja quem me dê ouvidos

Ó meu querido Pai Natal
Vou-te dizer
As coisas que nunca disse
Não sou mau e nem sou duro de roer
Fala de mim à Alice
E se ela mandar dizer
Que não, que não
Não me deixes amuado
Tira da saca o mais bonito pião
E está tudo perdoado

quinta-feira, março 01, 2012

Ave rara de Xangai

João Monge/João Gil


Água que cai
Lá vai...
Lá vai...
Levai a flor daquela saia
Faz que ela saia dessa rua
Ou então faz que ela caia

Água que cai
Lá vai...
Lá vai...
Levai pra longe do meu poiso
Essa ave rara de Xangai
Ou então faz que ela coiso

Eu peço à núvem do céu
Que faça um truque de Merlim:
Que a sua chuva deixe ao léu
Essa mulher só para mim