sexta-feira, dezembro 13, 2013

Conta-me histórias

Valpaços, 15 de Dezembro de 1986

- Professor Mário, telefone para vocês, do Porto...
Sim, em 1986 não havia telemóveis, nem internet. Um casal de professores deslocados e com 2 filhos, comunicava-se com o resto da família graças à generosidade dos senhorios, que tinham um telefone no café que geriam debaixo da nossa casa.
- Quero ir, quero ir.
- Eu também quero falar! - gritávamos eu e a minha irmã Marta.
Descemos com o nosso pai.
- Estou?!
Ao poucos, eu e a minha irmã fomos-nos apercebendo de que algo não estava bem, pois o meu pai não reagia às nossas tentativas de pegar no telefone, nem para nos mandar estar quietos. Do outro lado da linha, a minha avó informava que o nosso avô tinha morrido.
De regresso a casa, e enquanto fazíamos as malas para vir para o Porto, o gira-discos (sim, não havia CD's naquela altura) tocou vezes sem fim o FIM (poema de Mário de Sá Carneiro, musicado por João Gil e parte da discografia do Trovante, no álbum Sepes) e "Os homens do largo" (letra de Vitorino que pegou numa música já publicada de António Pinho Vargas. A canção pertence ao disco Sul, de Vitorino). Na viagem para o Porto, o rádio, leitor de cassetes (sim, não se dizia K7 na altura) a pilhas, tocou as mesmas músicas a viagem toda (sim, não havia autorádios na altura).
No dia seguinte ao do falecimento do meu avô paterno, tinha um concerto em Valpaços, na escola, onde tocava ferrinhos. Não me estriei na altura. Só anos mais tarde, toquei uma música em orgão, já em Valongo. O bichinho pela música ainda existe, mas tirando um ano em Ermesinde em que estive a aprender orgão e que culminou com esse concerto em Valongo, não segui um sonho. No ano seguinte optei pela guitarra e a coisa não correu bem.
Assim, o dia seguinte ao falecimento do meu avô, foi passado em casa da minha tia Gé, no Porto, que faz anos nesse dia.

23 anos e 2 dias depois do falecimento do meu avô, nasce aquele (salvo erro), que ainda é o seu mais recente descendente: o meu sobrinho Ricardo.
Quando o Ricardo nasceu, já havia telemóveis... E assim, foi através de sms que eu, que me encontrava a dar aulas em Angra do Heroísmo, me senti como se estivesse no Porto, porque o meu cunhado enviava as mesmas mensagens a toda a gente, e ao receber "A Marta está bem. Não se preocupem que quando nascer, eu aviso", sentia-me com o resto da família. O simples facto de ele ter usado "se preocupem" em vez de "te preocupes", aproximou-me.
Sim, quando o Ricardo nasceu já havia telemóveis. E por isso, solicitei aos meus colegas para deixar o telemóvel ligado durante as reuniões de avaliação, para receber a notícia.
A notícia chegou, para mim às 20h15, para o resto da família às 21h15. Estávamos em fusos horários diferentes.
Sim, quando o Ricardo nasceu já havia internet e por isso a primeira vez que o vi foi numa foto enviada por email pela minha mãe, já no dia 19 de Dezembro. Assim, a primeira vez que vi o Ricardo já foi em Portugal Continental, mas não foi no Porto. Quando vi o email estava em viagem, tinha acabado de aterrar em Lisboa e aguardei no aeroporto umas horas, madrugada dentro para ter autocarro para o Porto. Eram 01h09 do dia 19 de Dezembro de 2009. A primeira coisa que disse foi: "Giro" e a primeira pergunta foi: "De que cor são os olhos?"
- De que cor são os teus olhos, Ricardo? Que histórias contarão?

Guilherme Rietsch Monteiro
Dezembro de 2013

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