quinta-feira, abril 30, 2009

O mal superior português


in, JN


O facto de "Bo", o cão de água português que o senador do Edward Kennedy ofereceu às filhas de Obama, ter sido nado e criado (ele e os seus avós, e os avós dos seus avós) no Texas e ser, pois, tão português como são alemães os pastores alemães que por aí há ou o pudim francês é francês, não impediu que o país fosse varrido por um sobressalto de indignação nacional quando o "El Mundo" se referiu ao bicho como "autóctone da Península Ibérica". Não bastava aos espanhóis terem-nos roubado Olivença, agora queriam ficar com o "Bo". E até com S. Nuno "Alvarez" Pereira… Pessoa chamou o provincianismo de "mal superior português". Mas, se enumera os "sintomas flagrantes" desse provincianismo que são "o entusiasmo e admiração pelos grandes meios" e o "entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade", esquece o entusiasmo por tudo o que, "lá fora", cheire a "português", seja um cão na Casa Branca seja um medíocre político na Comissão Europeia. Será conflito diplomático certo se Zapatero se lembrar de dizer de Durão Barroso, como "El Mundo" disse de "Bo", que é "autóctone da Península Ibérica".

Uma córnea que prestigia

O Ricardo, apenas não entendeu que a Guilhermina, ao ser de Jesus, tinha de ser salva, por ser da família! ;-) Até no reino dos céus, há uns mais do que outros!

Guilherme Rietsch Monteiro


in Visão

 



A canonização de D. Nuno Álvares Pereira é, evidentemente, um motivo de orgulho para o País. O milagre que o novo santo operou em Guilhermina de Jesus, de 65 anos, natural de Vila Franca de Xira, pode não ser dos maiores - mas conta. A senhora estava em casa a fritar peixe quando um respingo de óleo a ferver lhe lesionou o olho esquerdo. Nuno Álvares viu a conjuntura propícia à santidade, e não falhou: curou-lhe a úlcera na córnea e prestigiou-se a si e a nós. Os portugueses sempre tiveram uma grande capacidade de se prestigiarem por interposto compatriota. Normalmente, o compatriota está vivo e pratica um desporto qualquer, mas um homem que está morto vai para 580 anos e cura úlceras na córnea a partir da eternidade também prestigia.

Contudo, receio bem que D. Nuno Álvares Pereira, que é santo há tão pouco tempo, já esteja a arranjar problemas com colegas que são santos há mais de 1500 anos. Refiro-me especificamente a Santo Agostinho, o santo que explicou a razão pela qual Deus, sendo embora omnipotente, omnisciente, omnipresente e infinitamente bom, permite que haja mal no mundo. A razão é o livre arbítrio: Deus concedeu a liberdade ao homem, que desfruta dela como entende, e é por isso que Ele não intervém quando os homens se matam uns aos outros. Ficou explicada a existência do mal moral. E o mal natural explica-se da mesma maneira: as catástrofes naturais são, também elas, causadas pela liberdade concedida por Deus, desta vez a Satanás e seus acólitos. É por isso, dizia Santo Agostinho, que Deus não salva ninguém das grandes catástrofes naturais, sejam elas um tsunami, um terramoto, ou um respingo de óleo a ferver para o olho. E, no entanto, Nuno Álvares Pereira intercedeu em nome d'Ele para curar a córnea de Guilhermina de Jesus. Como entender, então, a façanha oftalmológica do novo santo? Talvez Deus tenha interrompido por momentos o princípio do livre arbítrio para permitir a ocorrência de uma acção pedagógica. Pode ter sido um trabalho de equipa: Deus alerta Guilhermina de Jesus para os malefícios dos fritos respingando-lhe óleo a ferver para o olho, e Nuno Álvares, depois de aprendida a lição, intervém para lhe salvar a córnea. Os caminhos do Senhor são misteriosos e, como é cada vez mais evidente, até Santo Agostinho se perde neles.

O que interessa é que o milagre foi feito, registado, e levado em conta na beatificação de Nuno Álvares Pereira, para gáudio de Cavaco Silva. O Presidente da República suspendeu por instantes o preceito da separação entre Estado e Igreja e integrou a comissão de honra da canonização. Há quem diga que as congratulações do Presidente da República a propósito de um caso estritamente religioso violam o princípio da laicidade do Estado, mas se Deus interrompeu o livre arbítrio para prestigiar o nosso país, o mínimo que o Presidente pode fazer é mandar a laicidade às malvas para agradecer.

quinta-feira, abril 23, 2009

Um recado contra todos os recados


in Visão

 



A vida de José Sócrates está tão difícil que, por mais que um cidadão queira recriminá-lo pela crise em que mergulhou o País, não pode deixar de admirar a crise em que ele mergulhou a sua própria vida. Os portugueses podem estar em apuros, mas o certo é que o primeiro-ministro, talvez por solidariedade, não dorme mais descansado. E, esta semana, a situação atingiu uma gravidade inimaginável: que o povo contasse anedotas, tolerava-se; que a oposição criticasse, admitia-se; que ingleses avulsos o acusassem de corrupção, lá se ia aguentando. Mas se os Xutos e Pontapés fizessem uma música a chamar-me nomes, eu não sei se resistiria. José Sócrates tem de viver sabendo que o Tim não aprecia o seu trabalho. Custa. E Manuela Ferreira Leite percebeu esta semana que, quando faz conferências de imprensa, ninguém liga, mas quando o Kalu canta uma canção, vem na primeira página do Público. Também deve doer.

Os recados de Cavaco Silva acabam por vir na melhor altura para Sócrates. Quem aguenta a censura dos Xutos, está pronto para tudo. Por isso, quando Cavaco disse, no Congresso Associação Cristã de Empresários e Gestores, que o Governo devia resistir à tentação das medidas eleitoralistas e dedicar-se a sério à crise, o primeiro-ministro deve ter bocejado. Eu, confesso, não bocejei. Tenho pela Associação Cristã de Empresários e Gestores um fascínio enorme, na medida em que não consigo lembrar-me de actividade mais cristã do que a gestão de empresas. Amar como Jesus amou, sonhar como Jesus sonhou, definir critérios de racionalização e produtividade como Jesus definiu - não é o que diz a canção? Tudo o que é dito no âmbito de iniciativas levadas a cabo por aquela organização me interessa. E, além disso, interessa-me tudo o que é dito a propósito do que foi dito nessas iniciativas. É essa a razão pela qual recebi com particular atenção as declarações de Sócrates, segundo o qual o País não precisa da política do recado. O problema é que, quando diz que Portugal dispensa a política do recado, Sócrates está, infelizmente, a dar um recado - que, ao que parece, é precisamente aquilo que Portugal dispensa.

Percebo a preocupação de quem teme a deterioração das relações institucionais entre Cavaco e Sócrates, mas não creio que haja motivo para inquietação. O recado é a versão política do bilhetinho adolescente. Os namorados passam o dia juntos, mas durante as aulas não deixam de manter o contacto através de bilhetinhos. O Presidente e o primeiro-ministro reúnem-se uma vez por semana, mas não conseguem evitar a troca de recados nos outros dias. Sócrates, apesar da incoerência filosófica que já enunciei, respondeu satisfatoriamente ao recado do Presidente. Mas continuamos todos à espera do que terá a dizer a Kalu.

quinta-feira, abril 16, 2009

Capitão Moura


Capitão Moura
És o nosso herói
Tens do Gandhi o coração
E a coragem de um cowboy

Capitão Moura
És a luz de todos nós
Do pai, da mãe e da tia
E dos egrégios avós

És a força do oprimido
Dominas qualquer assunto
Vamos te homenagear
Sob a forma de presunto

Capitão Moura
De discurso altaneiro
Vem, governa esta nação
És melhor que o Engenheiro.



Ver a história desta música: aqui.

O PS não rejeita quaisquer ideologias, antes as subscreve a todas (com excepção, talvez, da socialista)


in Visão

 



Se o leitor acha que Portugal deve apoiar a recondução de Durão Barroso como presidente da Comissão Europeia, pode votar PS nas próximas eleições; se, pelo contrário, acha que Portugal não deve apoiar a recondução de Durão Barroso como presidente da Comissão Europeia, nesse caso, pode votar PS. José Sócrates, primeira figura do partido socialista, considera que Durão Barroso fez um bom trabalho e deve manter-se no cargo. Vital Moreira, primeiro nome na lista do PS para as eleições europeias, acha que Durão Barroso deve sair. Sócrates quer um presidente da nossa raça (para usar uma expressão cara ao Presidente da República), Vital Moreira quer um da sua cor. Certos leitores poderão perguntar: como pode um partido apresentar-se a eleições manifestando simultaneamente uma determinada intenção e a intenção rigorosamente inversa? Censuro a perfídia destes leitores. Desconhecem aquilo a que os cientistas políticos chamam um catch-all party: um partido político que, com o objectivo de captar o maior número possível de eleitores, renuncia a qualquer ideologia.

A originalidade do PS está neste pormenor engenhoso: o partido socialista não rejeita quaisquer ideologias, antes as subscreve a todas (com excepção, talvez, da socialista). O cidadão deseja que Barroso continue? Vote no PS, que tudo fará para o apoiar. Pretende ver Barroso fora da Comissão? Vote no PS, que eles também não querem lá esse bandido. Considera que Barroso deve presidir à Comissão Europeia apenas às segundas, quartas e sextas, cedendo o lugar a, digamos, uma peça de fruta às terças, quintas e sábados? Vote no PS, que há-de haver alguém lá dentro que defende essa orientação.

A bem dizer, tanto Sócrates como Vital Moreira sustentam posições compreensíveis: se Durão Barroso sair da Comissão Europeia, Sócrates sabe que, em lugar de ficar obrigado a criar 150 000 empregos, terá de arranjar 150 001, para ocupar mais um desempregado; Vital Moreira não esquece que Durão Barroso mudou do PCTP-MRPP para o PSD e, na qualidade de militante do PCP que passou para o lado do PS, não apreciará vira-casacas.

O plano de Sócrates será, talvez, o mais complexo. O primeiro-ministro quer que Portugal beneficie do facto de ter um português a ocupar um lugar que requer independência e neutralidade. No cargo em que deve esquecer-se de que é português, Durão Barroso não deve esquecer-se de que é português. Ao presidente da Comissão Europeia, que não pode olhar a nacionalidades, Sócrates pede que dê um jeitinho. Sempre com o máximo de independência e neutralidade, Durão Barroso beneficiará Portugal. É aqui que Sócrates tem razão: se há alguém que consegue levar a cabo uma tarefa destas, é mesmo um português.

terça-feira, abril 14, 2009

Samba do acordo ortográfico

Cadê você, morena?
Onde é que estás miúda?
Nina eu quero te encontrar
Precisamos conversar
Pra gente se entender.
Cadê você, morena?
Onde é que estás chabala?
Nina eu quero te encontrar
Precisamos conversar
Sobre o modo de escrever.
Eu não sei como vou fazer!
Tiro o H e aonde é que o vou meter?
Será que isto tem algum nexo?
Vão matar o acento circunflexo!
(e o galego?)
(refrão)
Eu não sei onde é que tu tá!
O acento grave para onde irá?
Eu não sei onde é que tá tu!
E o hífen depois do prefixo co!
(e o galego?)
(refrão)

Momento



Acordar

Letra e Música: Pedro Abrunhosa

São duas da tarde e ainda estava a dormir,
foi bom teres falado estou mesmo a sair
Essa voz maviosa, logo pela manhã,
bate-me com mais speed que um Gorosan

Ai como é bom assim acordar,
com o sol na janela e a magia no ar
Olhar nos teus olhos e ver coisas sem fim,
e voltar para casa com esta música, dentro de mim

Ptu ru ptu tu ru ptu, tu ri ah ii uh ah ra,
Ptu ru ptu tu ru ptu, tu ri ah ai,
Ptu ru ptu tu ru ptu, tu ri ah ii uh ah ra,
Ptu ru ptu tu ru ptu, tu ri ah
ai, ai como é bom assim acordar

Um fim de tarde como este, aqui para nós,
mesmo com outros parece que estamos sós
Mais um café que a noite já aí vem,
gente como tu é o melhor que o mundo tem

Ai como é bom assim acordar,
com o sol na janela e a magia no ar
Olhar nos teus olhos e ver coisas sem fim,
e voltar para casa com esta música, dentro de mim

Ptu ru ptu tu ru ptu, tu ri ah ii uh ah ra,
Ptu ru ptu tu ru ptu, tu ri ah ai,
Ptu ru ptu tu ru ptu, tu ri ah ii uh ah ra,
Ptu ru ptu tu ru ptu, tu ri ah
ai, ai como é bom assim acordar

Heaven knows i'm miserable now

I was happy in the haze of a drunken hour
But heaven knows I'm miserable now
I was looking for a job, and then I found a job
And heaven knows I'm miserable now
In my life
Why do I give valuable time
To people who don't care if I live or die?

Two lovers entwined pass me by
And heaven knows I'm miserable now
I was looking for a job, and then I found a job
And heaven knows I'm miserable now
In my life
Oh, why do I give valuable time
To people who don't care if I live or die?


What she asked of me at the end of the day
Caligula would have blushed
"You've been in the house too long", she said
And I (naturally) fled
In my life
Why do I smile
At people who I'd much rather kick in the eye?

I was happy in the haze of a drunken hour
But heaven knows I'm miserable now
"You've been in the house too long", she said
And I (naturally) fled
In my life
Why do I give valuable time
To people who don't care if I live or die?

sábado, abril 11, 2009

Queres protocolinho?


in Visão

 



A acreditar na imprensa nacional e internacional, os dirigentes do G20 passaram quase dez minutos a discutir a solução para a crise mundial e o resto do tempo a reinventar o protocolo, a quebrar o protocolo e, ocasionalmente, a seguir o protocolo.

Escreveram-se várias páginas sobre o jantar que Brown ofereceu às mulheres dos governantes. Parece que os canapés estavam formidáveis, mas as opiniões dividem-se quanto ao convite que a anfitriã fez a Naomi Campbell, a modelo que arremessa telemóveis aos empregados, e quase toda a gente reprovou que tivesse convidado a sua própria mãe, por muito que a senhora não tenha historial de arremesso de aparelhos de telecomunicação.

A indisposição da rainha com os gritos de Berlusconi, durante a fotografia de grupo oficial, também foi longamente analisada. Há quem diga que Berlusconi se comportou como um arruaceiro malcriado, outros dizem que estava apenas a ser italiano, outros ainda defendem que é quase impossível distinguir aqueles dois padrões de comportamento.

Nenhum observador deixou de registar também a troca de presentes entre a rainha e o casal Obama. O presidente dos Estados Unidos ofereceu a Isabel II um iPod contendo imagens da visita que a rainha fez à América, e a rainha ofereceu a Obama uma fotografia sua acompanhada do marido, o Duque de Edimburgo.
Sempre me fez confusão que a rainha, sendo rainha, não tivesse conseguido melhor marido do que um duque, mas guardarei essa reflexão fascinante para outra ocasião. O que me interessa notar neste momento é o facto de a generalidade dos analistas ter considerado gentil uma troca de presentes que me parece, em ambos os casos, profundamente ofensiva: Obama recordou à rainha a visita que ela fez a um território que já foi administrado pela família dela e que agora é administrado pela família dele; a rainha, mesmo sendo chefe de um país que tem, no campo da fotografia, tradições como a da página dois do jornal The Sun, oferece ao presidente americano uma foto de dois gerontes. Cada uma à sua maneira, ambas as atitudes constituem desconsiderações revoltantes.

O caso mais delicado foi, no entanto, a transgressão protocolar levada a cabo por Michelle Obama e pela rainha. Diz o protocolo que ninguém pode tocar na rainha de Inglaterra (como durante anos foi evidente, o protocolo não impõe a mesma regra à Princesa de Gales), mas a mulher de Obama abraçou-a, e a rainha, em lugar de a censurar, abraçou-a de volta. O ódio entre representantes de países diferentes pode levar o mundo à ruína, mas o afecto também cria incidentes diplomáticos graves. As relações internacionais são complicadas do ponto de vista político, mas do ponto de vista afectivo são ainda mais complexas.

Ainda no âmbito da visita de Barack Obama à Europa, uma última nota sobre o papel desempenhado por Durão Barroso, que foi nenhum. Devo confessar, no entanto, que estou preocupado com o estado de saúde de Durão Barroso. Primeiro, porque Durão Barroso está a ficar sem sobrancelhas. Não se trata de uma metáfora política, estou a ser literal: neste momento, Barroso tem apenas três ou quatro pêlos em cima de cada olho, o que é razoavelmente inquietante. Segundo, temo pelas costas do nosso antigo primeiro-ministro. Obama veio lamentar a política internacional seguida por Bush e prometeu um novo rumo. Barroso, que na cimeira dos Açores ajudou Bush a concretizar a política que Obama critica, disse agora estar maravilhado com a mudança prometida pelo novo presidente. São pinotes que devem fazer mal à coluna.

segunda-feira, abril 06, 2009

Noutro lugar

in, Mar D'Outubro

D'outra vez, noutro lugar
ninguém espera junto ao cais
sem razão, barcos que não voltam mais
os dias vão sem te levar...

E tenho tanto a contar
hey, tens tanto para ver
Tens ainda de aprender
os nomes que te vou dar

Oh noutro lugar
para todo o sempre
Oh há uma canção
que faz partir
Oh noutro lugar
para sempre, sempre
Oh, há uma canção
que está por descobrir
Vem...

D'outra vez noutro lugar
os anos passam sem pesar
sem razão, vão em busca da canção
que ficámos de cantar...

E tenho tanto por contar
hey, tens tanto para ver
Tens ainda de aprender
os nomes que dei ao mar

Oh noutro lugar