segunda-feira, dezembro 29, 2008

O menino guerreiro está a passar por aqui

Ricardo Araújo Pereira
in, Visão


A escolha de Pedro Santana Lopes para candidato à Câmara Municipal de Lisboa coloca um problema ao eleitorado: qual é o PSD que os portugueses preferem? O PSD populista e demagógico de Luís Filipe Menezes, que aposta em Santana Lopes para cargos importantes, ou o PSD sério e credível de Manuela Ferreira Leite, que aposta em Santana Lopes para cargos importantes? Falta-me subtileza política para os distinguir, mas talvez prefira o primeiro, que tem aquela franqueza dos rústicos.
O PSD sério e credível parece-me um pouco dissimulado, mas talvez esse seja um requisito indispensável a quem pretende ser sério e credível em política.
O mais interessante no menino guerreiro, para além do facto de, segundo diz a canção, ser uma pessoa que também deseja colo, palavras amenas, carinho e ternura, e precisar de um abraço da própria candura, o que parece ser difícil de executar, é a circunstância de Pedro Santana Lopes ser o anti-Pacheco Pereira. Pacheco e Santana são o rigoroso inverso um do outro. As direcções do partido que respeitam Santana Lopes, apostam nele; as que não o respeitam apostam mais ainda. Foi vice-presidente do PSD no tempo em que o presidente era um homem que o definia como, e cito, «um misto de Zandinga e Gabriel Alves». Agora é apontado como candidato a presidente da maior câmara do País, quando o partido é presidido por uma pessoa que afirma publicamente ter repugnância em votar nele. Quanto a Pacheco Pereira, é igualmente ignorado pelas direcções que critica e pelas que apoia. É, aliás, curioso que Pacheco Pereira seja um comentador tão respeitado no País e tão desconsiderado no PSD. O sítio de Portugal em que as opiniões de Pacheco Pereira são menos valorizadas é o partido de que ele é militante. Há-de haver uma razão quântica que explique o motivo pelo qual Pacheco Pereira consegue ser um analista perspicaz em todo o lado, menos na Rua de São Caetano à Lapa.
Com a escolha contrariada de Santana Lopes, Ferreira Leite parece uma editora de livros que, por si, só publicaria Dostoiévski, mas que se vê forçada a lançar as obras completas da Corín Tellado porque o populacho, lamentavelmente, gosta daquilo. Ela não lê, mas se as pessoas compram, vê-se forçada a dar ao público o que ele quer. Há ainda a teoria segundo a qual Ferreira Leite oferece o cargo a Santana para reduzir o espaço de manobra à oposição interna.
O problema é que, se Santana ganhar, será ele o vencedor; se Santana perder, a derrotada será Ferreira Leite. Toda a gente já percebeu que Santana nunca perde. Ou ganha, ou passa a andar por aí. Derrotas, não há notícia de ter sofrido.

sábado, dezembro 20, 2008

Milu, leave those teacher's alone

We dont need no education.
We dont need no thought control.
No dark sarcasm in the classroom.
Milu, leave those teacher's alone.
Hey, Milu, leave those teacher's alone!
All in all its just another brick in the wall.
All in all youre just another brick in the wall.

We dont need no education.
We dont need no thought control.
No dark sarcasm in the classroom.
Milu, leave those teacher's alone.
Hey, Milu, leave those teacher's alone!
All in all youre just another brick in the wall.
All in all youre just another brick in the wall.

Adaptado de The Wall, dos Pink Floyd
por Guilherme Rietsch Monteiro

sexta-feira, dezembro 19, 2008

Percebemos finalmente onde é que os iraquianos tinham escondido as armas

Ricardo Araújo Pereira
in, Visão



É curioso notar que a pequena História consegue ser, na maior parte das vezes, mais significativa e esclarecedora do espírito de uma época do que a grande História. Para mim é uma sorte, porque tenho um interesse muito grande pela primeira, e pouca paciência para a segunda. Posto isto, é um milagre que a RTP ainda não me tenha arranjado um programa no segundo canal.

O caso do jornalista iraquiano que atirou os sapatos a George W. Bush é um desses momentos que, por muito que seja excluído dos livros, nos faz compreender melhor o mundo em que vivemos. Em primeiro lugar, percebemos finalmente onde é que os iraquianos tinham escondido as armas. Andavam em cima delas, os dissimulados. É possível que, nas suas visitas ao Iraque, Hans Blix nunca tenha reparado que os nativos tinham os pés enfiados nos projécteis. Trata-se de um daqueles estratagemas genialmente simples que enganam toda a gente, mesmo exibindo descaradamente a prova do crime.

Em segundo lugar, nesta altura os alvos dos americanos estão definidos com uma clareza inultrapassável. A localização dos arsenais de guerra iraquianos foi, finalmente, revelada: há que atacar a Foreva da baixa de Bagdade, a Pablo Fuster de Karbala e a Hush Puppies de Tikrit.

Em terceiro lugar, tornou-se evidente para todos que Bush tem, de facto, estofo de estadista. Não é qualquer pessoa que se esquiva de um sapato arremessado àquela velocidade e volta a encarar o agressor com a nonchalance de quem pergunta: «Gosto do modelo, mas tem isto em 42?» Talvez seja importante não esquecer que, sendo texano, Bush está, provavelmente, habituado a que lhe atirem botas esporadas, consideravelmente maiores e mais perigosas do que os vulgaríssimos sapatos que o jornalista iraquiano optou por arremessar.

Em quarto lugar, ficou claro mais uma vez que um homem agredido reúne a simpatia de toda a gente. Mesmo sendo o presidente mais impopular de sempre, Bush recebeu votos de apoio de várias personalidades internacionais. Sarkozy qualificou o incidente de «inadmissível», Angela Merkel telefonou a Bush para lhe exprimir solidariedade e Imelda Marcos mandou um telegrama a dizer «Sortudo!».

Parece óbvio, por isso, o contributo precioso que este episódio oferece para a melhor compreensão do mundo actual. De acordo com as últimas notícias, juntou-se uma multidão à porta da cadeia em que o jornalista foi detido, exigindo a sua libertação. E, ao que parece, nem todos os manifestantes são soldados americanos que desejam ajudá-lo a melhorar a pontaria.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

A todos os executivos que mantiveram Portugal em crise desde 1143 até hoje, muito obrigado

Ricardo Araújo Pereira
in, Visão


Ou estou fortemente enganado (o que sucede, aliás, com uma frequência notável), ou a história de Portugal é decalcada da história de Pedro e o Lobo, com uma pequena alteração: em vez de Pedro e o Lobo, é Pedro e a Crise.
De acordo com os especialistas – e para surpresa de todos os leigos, completamente inconscientes de que tal cenário fosse possível – Portugal está mergulhado numa profunda crise. Ao que parece, 2009 vai ser mesmo complicado.
O problema é que 2008 já foi bastante difícil. E, no final de 2006, o empresário Pedro Ferraz da Costa avisava no Diário de Notícias que 2007 não iria ser fácil. O que, evidentemente, se verificou, e nem era assim tão difícil de prever tendo em conta que, em 2006, analistas já detectavam que o País estava em crise. Em Setembro de 2005, Marques Mendes, então presidente do PSD, desafiou o primeiro-ministro para ir ao Parlamento debater a crise económica. Nada disto era surpreendente na medida em que, de acordo com o Relatório de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal, entre 2004 e 2005, o nível de endividamento das famílias portuguesas aumentou de 78% para 84,2% do PIB. O grande problema de 2004 era um prolongamento da grave crise de 2003, ano em que a economia portuguesa regrediu 0,8% e a ministra das Finanças não teve outro remédio senão voltar a pedir contenção. Pior que 2003, só talvez 2002, que nos deixou, como herança, o maior défice orçamental da Europa, provavelmente em consequência da crise de 2001, na sequência dos ataques terroristas aos Estados Unidos. No entanto, segundo o professor Abel M. Mateus, a economia portuguesa já se encontrava em crise antes do 11 de Setembro.
A verdade é que, tirando aqueles seis meses da década de 90 em que chegaram uns milhões valentes vindos da União Europeia, eu não me lembro de Portugal não estar em crise. Por isso, acredito que a crise do ano que vem seja violenta. Mas creio que, se uma crise quiser mesmo impressionar os portugueses, vai ter de trabalhar a sério. Um crescimento zero, para nós, é amendoins. Pequenas recessões comem os portugueses ao pequeno-almoço. 2009 só assusta esses maricas da Europa que têm andado a crescer acima dos 7 por cento. Quem nunca foi além dos 2%, não está preocupado.
É tempo de reconhecer o mérito e agradecer a governos atrás de governos que fizeram tudo o que era possível para não habituar mal os portugueses. A todos os executivos que mantiveram Portugal em crise desde 1143 até hoje, muito obrigado. Agora, somos o povo da Europa que está mais bem preparado para fazer face às dificuldades.