quarta-feira, março 25, 2009

Remendos e côdeas

Manuel António Pina
in, JN


Os sindicalistas bons, que não são "instrumentalizados" nem fazem greves e manifestações e "aposta(m) na concertação e não no conflito", reuniram-se em congresso, durante o qual o seu "programa de acção" foi aprovado com 90% de votos.

Um dia depois, em resposta a declarações do líder do patronato, segundo as quais um salário mínimo de 500 euros em… 2011 é apenas uma "indicação" e "iremos ver se é possível", o secretário-geral reeleito explicitou em que consiste a "aposta": o sindicalismo bom "espera" que o próximo Governo "seja sensível".

Este tipo de sindicalismo não reivindica, "espera", não reconhece o salário como direito de quem trabalha, mas como prodigalidade. Se o próximo Governo for "sensível", e o patronato também, "darão" em 2011 aos trabalhadores um salário mínimo compatível, como os pedintes dizem, com as suas possibilidades.

Em contrapartida, os sindicatos e os sindicalistas bons continuarão a ser bons, se possível ainda melhores, e a não perturbar o trânsito nem impedir os jornalistas igualmente bons da Antena 1 de chegar a horas às conferências de imprensa da CIP e do Governo.



Remendos e côdeas
José Mário Branco

Sempre que se rompe o casaco do povo
Aparecem uns doutores que descobrem
Que assim não pode ser
Há que achar remédio
Seja lá como for

Vão então negociar com os senhores
Enquanto cá fora os trabalhadores
Ao frio esperam que eles voltem triunfantes com
Um belo remendo

Remendo sim pois bem mas onde é que ficou
O casaco todo?

Sempre que gritamos "basta temos fome!"
Aparecem uns doutores que descobrem
Que assim não pode ser
Há que achar remédio
Seja lá como for

Vão então negociar com os senhores
Enquanto cá fora os trabalhadores
Cheios de fome até que voltem triunfantes com
Uma bela côdea

Côdea sim pois bem mas onde é que ficou
A carcaça toda?

Nós não precisamos só desses remendos
Precisamos do casaco por inteiro
Nós não queremos ficar só com essa côdea
Precisamos de comer o pão inteiro

Não nos basta que o patrão nos dê trabalho
Precisamos de mandar nas oficinas
Nos campos e nas minas
No poder de Estado
Disso é que precisamos

Mas o que é que essa gente tem para oferecer?
Remendos e Côdeas!

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