terça-feira, outubro 07, 2008

A influência de Sócrates em Obama. Ou vice-versa

Ricardo Araújo Pereira, in Visão


Quem critica os que fazem bota-abaixo está a fazer bota-abaixo aos que fazem bota-abaixo? Tenho meditado profundamente nesta complicada questão desde que José Sócrates se insurgiu contra o bota-abaixo da oposição. Uma das primeiras dificuldades é a circunstância de eu não saber se o bota-abaixo se rege pelas leis da matemática, caso em que bota-abaixo com bota-abaixo daria bota-acima, e assim a atitude de Sócrates seria positiva. Por outro lado, fazer bota-abaixo sobre bota-abaixo pode configurar um cenário de duplo bota-abaixo, e elevar o bota-abaixo à condição superlativa de bota-abaixíssimo, o que não parece ser simpático.
Mais recentemente, Sócrates criticou a velha esquerda. Eu concordo que a velha esquerda tem muitos defeitos, e o conceito de nova esquerda, à partida, é atraente: eu gosto da esquerda e também sou amigo da novidade. O problema é que vou tendo bastantes dificuldades para distinguir a nova esquerda da velha direita. É possível que a nova esquerda não seja nova nem seja de esquerda, o que acaba por ser inquietante.
Talvez estes problemas resultem de um defeito de tradução. Sócrates tem visto em Barack Obama uma inspiração para a sua conduta política, e já tinha citado o americano quando afirmou, em Fevereiro, «Sim, nós podemos», e agora volta a adoptar o lema da campanha democrata: «A Força da Mudança». Além disso, Sócrates apareceu claramente mais bronzeado e com uma vontade inequívoca de deixar crescer as orelhas. A influência de Obama é nítida – e benfazeja. Obama quer mudar a política americana para corrigir os erros cometidos pelo governo dos Estados Unidos nos últimos anos. Ora, o governo português também tem cometido alguns erros nos últimos anos, e fica bem a Sócrates dizer que é preciso mudar. Chegámos a um ponto em que, por falta de comparência da oposição, Sócrates se vê forçado a opor-se a si próprio. Alguém tinha de o fazer, e é prova de grande nobreza de carácter que seja Sócrates a tomar em mãos essa tarefa. Antes que o PSD proponha mudança, Sócrates exige que se mude, e com força. Pode ser esquizofrénico, mas é bem visto.
É vulgar que o Presidente dos Estados Unidos determine a vida política das outras nações – ou, pelo menos, que tente determiná-la. Durão Barroso seguiu meticulosamente duas ou três propostas de Bush. Mas Obama tem a capacidade de influenciar a nossa vida política ainda antes de chegar à Casa Branca. Parece, aliás, ter mais facilidade em seduzir os europeus do que os americanos. Resta-nos esperar que os americanos façam a escolha certa em Novembro: se elegerem o mundo nunca ouvirá o discurso da vitória de Barack Obama. É bom que o povo dos Estados Unidos tenha a consciência clara da responsabilidade que carrega.

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