in, Visão
É curioso notar que a pequena História consegue ser, na maior parte das vezes, mais significativa e esclarecedora do espírito de uma época do que a grande História. Para mim é uma sorte, porque tenho um interesse muito grande pela primeira, e pouca paciência para a segunda. Posto isto, é um milagre que a RTP ainda não me tenha arranjado um programa no segundo canal.
O caso do jornalista iraquiano que atirou os sapatos a George W. Bush é um desses momentos que, por muito que seja excluído dos livros, nos faz compreender melhor o mundo em que vivemos. Em primeiro lugar, percebemos finalmente onde é que os iraquianos tinham escondido as armas. Andavam em cima delas, os dissimulados. É possível que, nas suas visitas ao Iraque, Hans Blix nunca tenha reparado que os nativos tinham os pés enfiados nos projécteis. Trata-se de um daqueles estratagemas genialmente simples que enganam toda a gente, mesmo exibindo descaradamente a prova do crime.
Em segundo lugar, nesta altura os alvos dos americanos estão definidos com uma clareza inultrapassável. A localização dos arsenais de guerra iraquianos foi, finalmente, revelada: há que atacar a Foreva da baixa de Bagdade, a Pablo Fuster de Karbala e a Hush Puppies de Tikrit.
Em terceiro lugar, tornou-se evidente para todos que Bush tem, de facto, estofo de estadista. Não é qualquer pessoa que se esquiva de um sapato arremessado àquela velocidade e volta a encarar o agressor com a nonchalance de quem pergunta: «Gosto do modelo, mas tem isto em 42?» Talvez seja importante não esquecer que, sendo texano, Bush está, provavelmente, habituado a que lhe atirem botas esporadas, consideravelmente maiores e mais perigosas do que os vulgaríssimos sapatos que o jornalista iraquiano optou por arremessar.
Em quarto lugar, ficou claro mais uma vez que um homem agredido reúne a simpatia de toda a gente. Mesmo sendo o presidente mais impopular de sempre, Bush recebeu votos de apoio de várias personalidades internacionais. Sarkozy qualificou o incidente de «inadmissível», Angela Merkel telefonou a Bush para lhe exprimir solidariedade e Imelda Marcos mandou um telegrama a dizer «Sortudo!».
Parece óbvio, por isso, o contributo precioso que este episódio oferece para a melhor compreensão do mundo actual. De acordo com as últimas notícias, juntou-se uma multidão à porta da cadeia em que o jornalista foi detido, exigindo a sua libertação. E, ao que parece, nem todos os manifestantes são soldados americanos que desejam ajudá-lo a melhorar a pontaria.
Sem comentários:
Enviar um comentário