Como que morto para o mundo
Expiro num sono profundo
Enterrado no colchão
Quando a minha mulher me chama
E me faz saltar da cama
Pergunta "sabes que horas são?
É que eu já estou atrasada
E a bebé está acordada
A precisar de atenção".
Mudo a fralda à bebé ainda a dormir a pé
A tactear na escuridão
Tento combinar-lhe a roupa
Antes de lhe dar a sopa - é essa a indicação
Entrego a bebé à avó
Para conseguir ficar só
Enquanto elas vão dar a volta ao quarteirão
Aproveito assim que posso
Para aquecer o meu almoço
Um resto de arroz de feijão
Que vou comer para o sofá
A amaldiçoar a manhã e o amanhã
Deitado em frente à televisão
Diz-se um dia não são dias,
Mas às vezes é esta a frustração:
A de saber que quando são,
um dia não são dias não.
Passo o dia em pijama
Pronto para voltar para a cama,
A curtir a depressão
Tenho um emprego precário,
Um part-time temporário,
Um biscate que arranjei no fim do verão
Mas hoje é o meu dia de folga:
É o dia que mais me empolga,
É uma verdadeira vocação.
Também já fui avisado
QUe no fim do mês vou ser dispensado - a crise é a justificação.
Então, em vez de proletário a fingir
Volto a ser o que sempre fui:
Um burguês falido.
Volto a ser o meu próprio patrão,
A magicar o dia inteiro
Mil maneiras de conseguir ter dinheiro
Sem cravar a mulher, a mãe e o irmão.
Diz-se um dia não são dias,
Mas às vezes é esta a frustração:
A de saber que quando são,
um dia não são dias não.
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